Career Insights

Por Melissa Afonso, Associate Director do Career Development Center do IESE Business School

Sabe aquela frase que gruda na sua cabeça, e você acaba repetindo por anos? Pois é. Sem dúvidas, a que eu mais falo, seja em apresentações ou em conversas de aconselhamento de carreira, é: “O como devora o o quê no café da manhã” — parafraseando, com licença poética, a frase icônica atribuída a Peter Drucker: “Culture eats strategy for breakfast”.

E não é à toa. Muitos ainda entram em uma empresa considerando o que devem fazer, importando-se apenas com a sua função, com a remuneração e com o nome da companhia, esquecendo de investigar o ingrediente mais importante da receita: a cultura, a forma como aquela empresa opera no dia a dia.

Então, logo no primeiro café na copa com os colegas de trabalho, a dúvida surge: “O que eu estou fazendo aqui?”. Com o tempo, a frustração chega, e é justamente nesse momento que me procuram como orientadora de carreiras, buscando entender onde foi que se perderam.

Com frequência, o motivo da dúvida está em um desalinhamento entre os valores pessoais e os valores da empresa. Muitas vezes, esse desalinhamento não se revela nos grandes conflitos ou na tomada de uma decisão estratégica, e sim nas pequenas situações cotidianas.

Por exemplo, no fim do expediente. Já são 18h00, mas, olhando ao redor, algo te faz pensar que talvez seja melhor esperar mais um pouco antes de ir embora. Pronto. Ninguém precisou dizer nada. Está claro que “sair no horário” não é uma atitude bem-vista naquele ambiente.

Isso é cultura: o conjunto invisível de mensagens, sinais e códigos que molda o que é aceitável ou não. Ela nem sempre te diz o que fazer — mas deixa muito claro o que não fazer e como não fazer!

Mas, se a cultura de uma organização é um aspecto tão sutil e interno, como descobrir seus pormenores antes de começar em uma nova posição? Essa é a pergunta que eu mais ouço e a qual eu sempre respondo: “converse com alguém que está ou já esteve na companhia onde você pretende trabalhar”.

Mas atenção! Quem ainda está na empresa pode medir palavras; por outro lado, quem já saiu, em geral, fala com mais liberdade e verdade. São as pessoas que já estão vivenciando outras oportunidades que irão te dizer:

– Se o jogo é “na bola” ou “na canela”.

– Se a empresa promove colaboração ou competição interna.

– Se as metas são qualitativas e/ou quantitativas.

– Se a flexibilidade da descrição do cargo é real ou só “pra inglês ver”.

– Se errar é parte do processo ou um pecado mortal.

-Se existe segurança psicológica, respeito, transparência… E tudo mais que seja importante para você.

Outra fonte riquíssima de sinais sobre a cultura é o próprio processo seletivo. Observe. Ouça. Repare nas entrelinhas. E, principalmente, faça as perguntas certas! Porém, para formular essas perguntas com clareza e interpretar as respostas, é preciso estar caminhando de mãos dadas com o autoconhecimento.

É importante saber quem você é, no que acredita, o que te move, o que te drena, o que te faz entregar o melhor de si ou o seu silêncio mais absoluto. Ter consciência do seu funcionamento, dos seus limites e dos seus “para quês” é um trabalho de uma vida inteira. Exige coragem, autoconfronto e muito, mas muito filtro solar emocional. Quanto antes iniciar esse mergulho, mais cedo deixará de se sabotar se colocando em ambientes que, no fundo, você sabe que não são feitos para você.

O caminho para dentro é único e pessoal, mas tomo a liberdade de compartilhar um exercício simples (e poderoso) que aprendi com um professor do IESE e que me ajudou demais a me (re)conhecer. Todos os dias, antes de dormir, anote três coisas que te deixaram feliz e três que te irritaram, e tente entender os seus porquês. Depois de um ano fazendo isso, eu te garanto que você vai saber exatamente onde pôr — e onde não pôr — o seu pé. (E, com sorte, você vai até desenvolver um radar natural contra ciladas corporativas.)

Vale ressaltar que o como é muito importante também em tudo o que nós fazemos na nossa individualidade — no jeito que ouvimos, que respondemos, que conduzimos conversas difíceis. Está na forma como damos um feedback, como lidamos com erros, como tratamos o outro.

Podemos ter as melhores intenções do mundo, mas se o como for sem cuidado e delicadeza, o resultado se assemelhará ao gosto de café requentado. Se for daqueles comos bem-preparados — com ética, clareza, respeito e um toque de bom humor —, ele não só devorará o o quê, como também arrumará a mesa, servirá com gentileza, e ainda perguntará se você prefere café passado ou expresso.