Por João Bosco Silva
Você já parou para pensar o que é, afinal, estar velho demais para exercer uma função? Até que ponto a idade, pura e simplesmente, é uma limitação para se realizar uma determinada atividade?
Iniciei recentemente uma série de artigos sobre etarismo, falando do preconceito com pessoas idosas, especialmente no mercado de trabalho. O objetivo é sensibilizar os gestores para enxergar a realidade e eliminar os muitos mitos que associam a idade à dependência, doença e/ou aposentadoria. Em artigos anteriores que escrevi, falei da diferença entre idade física e funcional, citando as pesquisas de Rengin Firat, neurocientista do Korn Ferry Institute, que concluiu que idade física e funcional não são a mesma coisa. Pessoas da mesma idade podem ter atividades e comportamentos completamente diferentes, dependendo do seu estilo de vida.
Indivíduos com fortes conexões sociais, que se envolvem em tarefas intelectualmente estimulantes e praticam exercícios físicos mantêm sua atividade funcional estendida por muito mais tempo. Hoje quero me aprofundar nessa reflexão, trazendo alguns exemplos.
Idade e Criatividade/Inovação
O conceito que prevalece no mercado de trabalho é de que só os jovens são criativos e inovadores e, por isto, as empresas precisam ter sempre uma equipe composta por pessoas de pouca idade para se reinventar. Este conceito está totalmente errado.
A entidade mais respeitada globalmente por reconhecer a contribuição das pessoas para as ciências e a inovação é o Prêmio Nobel, que anualmente condecora atuações notáveis em cinco categorias: Medicina, Química, Física, Literatura e Paz. A grande concentração dos premiados está entre 50 e 79 anos, com 643 laureados em um total de 894. No grupo, existem 46 octogenários. Em 2007, o ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas — conhecido como Nobel de Economia —, Leonid Hurwicz, tinha 90 anos.
Os premiados deste ano na categoria de Medicina, Katalin Karikó e Drew Weissman, foram reconhecidos pela criação das vacinas contra a covid-19. Estes cientistas, que contribuíram para salvar o mundo de uma grande crise, estão ambos com mais de 65 anos. O já citado Nobel de Economia também já foi concedido à americana Claudia Goldin, por suas pesquisas relacionadas aos rendimentos das mulheres e a participação deste grupo social no mercado de trabalho ao longo dos séculos. Professora de Harvard, Claudia tem 77 anos.
Estes exemplos mostram que a criatividade e a inovação reconhecidas por entidades tão respeitadas no setor estão mais associadas aos “coroas” do que aos jovens.
Idade e Liderança
A média de idade dos CEOs das empresas globais está em torno de 55 anos. No Brasil, a média para as 70 empresas que compõem o Índice Bovespa é de 53,6 anos, segundo pesquisa do jornal Valor Econômico.
Recentemente, a Disney recontratou o CEO Bob Iger aos 71 anos, substituindo um executivo dez anos mais jovem, pois precisava fazer reestruturações importantes na empresa.
Considerando o nosso país, o empresário Abilio Diniz, que tem 86 anos de idade, está ativo à frente de seu fundo de investimentos Península, tomando as principais decisões. Ele mantém uma atividade intensa com palestras e programas de entrevistas na TV, além de lecionar na FGV (Fundação Getúlio Vargas). O empresário Rubens Ometto, acionista da Raízen, reconhecido por ser muito ativo e dinâmico, está com 73 anos.
Uma análise do mercado financeiro, um dos setores mais dinâmicos e competitivos da economia, nos mostra que há mais CEOs com 60 anos ou mais neste setor do que em qualquer outro. Segundo dados da Bloomberg, o percentual de CEOs do mercado financeiro acima de 60 anos era de 32% há uma década e agora atinge 64% na mesma amostra de 475 empresas.
“Adoro o que faço”, disse Jamie Dimon, 67 anos, CEO do J.P. Morgan, em uma entrevista em maio. “Estou muito feliz fazendo o que faço e ainda tenho muita energia para continuar fazendo isto”, afirmou em junho Larry Fink, CEO da BlackRock, um dos maiores fundos de investimentos do mundo, que está com 71 anos e reforçou que não tem planos de se aposentar.
A idade também não é uma barreira entre as lideranças políticas. Considerando os 19 países membros do G20, 14 são chefiados por líderes com mais de 60 anos. O mais velho é o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que tem 80 anos e está se candidatando à reeleição; seu possível adversário, Donald Trump, tem 77 anos. Também fazem parte do G20 a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, de 65 anos, e o presidente da União Africana, Azali Assoumani, de 64.
Todos esses exemplos reforçam que o passar dos anos não impede as lideranças, políticas ou empresariais, de tomarem as decisões que direcionam seus países ou empresas. Pelo contrário: muitos deles parecem cada vez mais motivados, ativos e atualizados.
Na indústria cinematográfica, também são muitos os casos de estrelas que se mantêm altamente produtivas e rentáveis mesmo com o avanço da idade. O cineasta Martin Scorsese e o ator Robert De Niro, ambos de 80 anos, acabam de lançar “Assassinos da Lua das Flores”, coroando uma parceria de sucesso que já dura cinco décadas. Aos 81 anos, Harrison Ford, está em seu quinto filme da série “Indiana Jones”; Tom Cruise, estrela de “Missão Impossível” e outros filmes de ação, está com 61 anos. Em uma pesquisa recente do National Research perguntando aos espectadores quais atores os atraíam aos cinemas, os 20 primeiros colocados incluíam dois octogenários e nenhum com menos de 35 anos.
O Caso Ford
Em 2008, em meio a uma crise global, as montadoras americanas estavam em grande dificuldade. A Ford já vinha enfrentando sérios problemas financeiros desde 2006 e se encontrava numa situação crítica. O Conselho da Ford decidiu substituir o CEO global e poderia ter buscado o substituto entre os inúmeros executivos da empresa, talvez algum jovem brilhante e criativo para fazer a “virada” de que a empresa necessitava.
Em vez da alternativa interna, foram ao mercado e contrataram Alan Mulally, recém-aposentado da Boeing, onde havia construído uma carreira brilhante, chegando a diretor executivo do grupo. Então com 61 anos, assumiu como CEO da Ford e, nos oito anos em que liderou a empresa, fez uma transformação extraordinária, aumentando receitas, reduzindo custos e trazendo novas tecnologias e inovações.
Sua gestão foi marcada por inúmeras ações que revitalizaram a companhia, entre elas o One Ford Plan, criando uma empresa única e global, o foco em carros mais eficientes em energia, melhorias substanciais na qualidade, reestruturação financeira e um estilo de envolvimento das equipes para buscar alternativas estratégicas para a empresa.
As conquistas da Ford fizeram com que Alan Mulally entrasse na lista dos 100 executivos mais influentes do mundo da revista Time, além de ser eleito, em 2011, a pessoa do ano pelo jornal Financial Times. A história de sua gestão e dos resultados alcançados foi contada no livro “American Icon: Alan Mulally and the Fight to Save Ford Motor Company”. Ele renunciou ao cargo de CEO da Ford em 2014, quando tinha 69 anos. Após sua saída da empresa, passou a participar do Conselho de Administração do Google.
A receita das empresas de sucesso
Para concluir este artigo e olhando as empresas de sucesso, podemos observar que o segredo é aliar a experiência dos mais velhos com a energia e as habilidades das novas gerações. Por que uma empresa superinovadora como o Google convida alguém como Mulally, com quase 70 anos, para o Conselho? Ou uma instituição renomada como a FGV traz Abilio Diniz para compartilhar suas experiências empresariais com os jovens?
Segundo nossas pesquisas na Cambridge Family Enterprise Group (CFEG), as empresas familiares têm mais sucesso que as outras empresas no médio e longo prazo, e uma das fortes razões para isto é a passagem do conhecimento através das gerações. Esta transferência vai muito além do conhecimento do negócio: inclui uma mentoria e orientação sobre como enfrentar e superar as crises.
Todos esses casos demonstram que empresas que limitam ou até mesmo colocam filtros para restringir a idade de contratação e/ou manutenção de seus funcionários estão perdendo uma excelente oportunidade de criar valor utilizando os conhecimentos das gerações 50+. Se você conhece mais algum exemplo, compartilhe comigo aqui nos comentários.