Segurança Psicológica nas empresas: será esse um sonho impossível?
Por Arthur Azevedo
“Nenhum sentimento desfalca a mente de todos os seus poderes de razão e ação como o medo”
Edmund Burke (1729–1797), estadista, economista e filósofo irlandês
Caros amigos e amigas,
Sei que conceitos que começam a ser muito falados correm o risco de, com o tempo, ficarem “batidos” e serem tachados como mais um modismo, buzz word e outros rótulos. Isso fica mais evidente quando se trata de um conceito transformador, mas que, pela nossa incapacidade de sair do tradicional, não conseguimos implementar de fato. Afinal, ninguém em sã consciência nega um conceito tão relevante e óbvio quanto o da Segurança Psicológica nas organizações. É superfalado, várias pessoas buscam por certificações neste tema que está na narrativa e fala de tantos executivos e executivas. No entanto, sua prática real, no dia a dia e, em especial, nas horas difíceis, ainda é pouco frequente. Para não dizer rara. Afinal, o que nos mantém tão presos no velho e obsoleto “Comando e Controle”?
Um disclaimer: este artigo traz somente a minha visão sobre o tema. Sou apenas um executivo que transita por corporações de vários segmentos, negócios e partes do mundo há 35 anos.
Me encantei pelo assunto quando conheci o livro The Fearless Organization (A Organização Sem Medo), escrito por Amy C. Edmondson. Era a resposta aos anseios que eu sentia, mas nunca conseguia verbalizar. Agora, estava tudo lá! É a transformação de nosso mundo corporativo ao nosso alcance. Mas, como tudo na vida, começa com a transformação daquela pecinha: nós mesmos!
A frase que abre este texto, de Edmund Burke, resume bem a estória: uma mente em estado de medo é extirpada de suas melhores características: não pensa, não age, não cria, não inova e não ousa. Parece radical?
Mas pensem bem. Nas nossas organizações:
• Como o erro — e aqui falo do erro pela inovação, pelo desconhecido, não pela negligência — é visto e tratado?
• Quais profissionais estão dispostos a deixar as posições de linha para se lançar em projetos ou movimentações que ainda são incertas?
Segundo Abílio Diniz, “vivemos uma fase da demonização do erro”. Nada parece tão verdadeiro.
Na carta de 2022 de Larry Fink aos CEOs das empresas investidas pela Blackrock, gestora americana que tem US$ 10 trilhões em investimentos sob sua administração (sim, trilhões!), ele coloca fortemente a questão da saúde mental e a experiência do funcionário como algo central na gestão das organizações na era pós-pandemia. E termina com uma frase que parece uma sentença:
“As empresas que não se adaptam a essa nova realidade e não respondem aos seus trabalhadores fazem isso por sua conta e risco.”
Larry Fink, CEO da Blackrock — Carta aos CEOs de 2022
Mais que a mensagem, o que é importante aqui é a origem dela. Não estamos falando de um acadêmico de gestão de pessoas. Essa é a voz do capitalismo moderno que já entendeu que um ambiente de trabalho saudável e longevo é central para o sucesso dos negócios.
Em seu trabalho, Amy C. Edmondson aponta que nossos comportamentos têm sua origem, entre outras coisas, num instinto de autopreservação. O popular medo. Já me enxerguei e me enxergo até hoje muito no seguinte quadro:
O que nossas organizações — em sua maioria — ainda não entenderam é que, em sua essência e profundidade, Segurança Psicológica não é inimiga de Accountability e Excelência. Ao contrário, são complementares e podem andar muito juntas, como descrito a seguir:
Ou seja, de uma maneira simplista, precisamos “pular” da zona da Ansiedade para a zona da Aprendizagem. Todo mundo vai ganhar com isso. Só os control freaks que vão sofrer um pouco ☺. Mas vão se adaptar.
O “como” passa por estabelecer uma cultura mais colaborativa, tolerante, educada, diversa, inclusiva, intuitiva e, principalmente, empática. Voltaremos ao saber ouvir ativa e generosamente, saber ensinar, valorizar as diferenças, saber pedir desculpas e desculpar e por aí vai.
No livro Shakti Leadership (Liderança Shakti), Nilima Bhat e Raj Sisodia colocam de uma maneira bem interessante, falando em energias femininas e masculinas. Observação: não estamos falando de gênero, mas de energia, ou seja, do sagrado masculino e sagrado feminino. Todos nós temos as duas energias fluindo.
Nós, homens e mulheres, estamos condicionados a exercer liderança com qualidades tradicionalmente consideradas masculinas: hierárquica, individualista e militar. Para resgatar o poder feminino e restaurar o equilíbrio das duas energias, que se perdeu ao longo do tempo, homens e mulheres precisam reviver o arquétipo feminino de liderança: regenerativo, cooperativo, criativo e empático.
O prêmio é claro: um ambiente seguro, feliz, em que as pessoas gostem e queiram trabalhar e se engajar. Um sonho que é muito possível e está ao nosso alcance. Dá para começar hoje e por nós mesmos.
Por fim, como não poderia deixar de ser, deixo o lindo conceito de Segurança Psicológica:
“Segurança Psicológica é uma crença de que ninguém será penalizado ou humilhado por contribuir com ideias, perguntas, preocupações ou erros!”
“Não é somente normal e esperado que estas contribuições ocorram, é desejado.”
Amy C. Edmondson, autora de A Organização Sem Medo