A 4ª edição da pesquisa “O Perfil do CFO no Brasil”, produzida pela Assetz em parceria com o Insper, revela que a neutralidade predomina entre os CFOs quando o assunto é o futuro da economia brasileira. De acordo com o estudo, 55% dos entrevistados declararam-se neutros em relação às perspectivas para o cenário econômico do Brasil no final de 2024 e ao longo de 2025, refletindo uma postura cautelosa diante do histórico de instabilidade político-econômica do país.
Um dos pontos que mais preocupa Guilherme Machado, CFO e Diretor de Relações com Investidores da Rumo, é a inflação fora do centro da meta, de 3%, uma vez que as projeções apontam para algo perto de 4%. “Esse fator pode gerar elevação de preços de insumos, que acabam pressionando as nossas margens.” Para contornar situações como essa, uma das medidas é, além do tradicional e rigoroso controle de custos e eficiência operacional, “avaliar se há possibilidade de renegociação de contratos”, destaca Machado.
Quando o assunto é inflação, um dos setores mais atentos é o de saúde, que tem sua própria medição de preços, que, via de regra, está acima da inflação geral (IPCA). José Antonio Filippo, CFO do Grupo Fleury, uma das maiores empresas de medicina diagnóstica do país, ressalta que um dos efeitos da inflação fora do centro da meta é o patamar mais elevado de juros, que tem efeito importante não só no encarecimento de linhas de crédito, mas também na rentabilidade dos investimentos das companhias em geral.
Apesar do impacto dos juros na dinâmica da economia, Filippo avalia como “natural” a ação do Banco Central de congelar o patamar de juros em 10,5% por conta da flutuação econômica que o país apresenta historicamente e riscos pontuais, reservados a esse momento. Além da já mencionada inflação, a questão fiscal, com aumento da dívida pública, também é um dos pontos de atenção.
Para Jorge Soares, da Química Anastacio, uma das principais distribuidoras de produtos químicos da América Latina, os tempos são de “fortes emoções e incertezas” e, como o CFO da companhia, o executivo assume a responsabilidade de trazer estabilidade para os negócios. Ele também enxerga como um dos principais riscos atuais a imprevisibilidade fiscal. Além disso, menciona o crescente custo da logística internacional e a desvalorização do real como questões que “estão afetando a saúde do setor e que têm criado maiores desafios ao dia a dia do executivo de Finanças”, avalia.
Desafios estruturais
O Brasil é conhecido internamente e no exterior como economia que produz altos e baixos acima da média, gerando cenários difíceis de serem administrados. Francisco Semeraro Neto, Diretor Administrativo-Financeiro da Dexco, que produz painéis de madeira, louças, metais sanitários, revestimentos cerâmicos e outros materiais, diz que essas instabilidades tornam ainda mais desafiadora a tarefa de um CFO do setor de manufatura. “É um país que tem dificuldades de infraestrutura, disponibilidade de mão de obra e a própria questão estrutural de regulamentações, impostos e tudo mais. Então, para a indústria, navegar nessas incertezas é sempre mais difícil”, avalia.
Um dos desafios do CFO nesse contexto é escolher o momento de investir e crescer. “Isso acaba quase se tornando uma arte, porque, se você imaginar um cenário perfeito para fazer investimentos, muitas vezes, você já está no pico da curva.” Depois, a tendência pode ser de queda, gerando “uma exposição bastante ruim no momento que o mercado vira”, complementa Semeraro.
Soluções internas possíveis para os desafios macro
Diante desse cenário, Soares, da Anastacio, diz que seu foco está nos resultados no longo prazo. Portanto, ele expõe que tem trabalhado com baixo orçamento para algumas demandas, “exceção feita para as macrometas, que são volume de vendas, receita e margem”, menciona o executivo. Nesse sentido, ele avalia que os resultados de curto prazo têm peso marginal e que tem buscado entregar “flexibilidade, para que os planos possam mudar conforme a necessidade”, a fim de buscar “mais lucratividade em um horizonte mais distante”.
Já para Machado, é importante que o planejamento estratégico seja “algo vivo” dentro da companhia. “Ele serve para determinado cenário e tem validade. Se o cenário mudar, ele tem que ser atualizado também para que a medição dos drivers de valor continue correta e alinhada com a visão do acionista”, diz o executivo da Rumo.
Semeraro ressalta que, na Dexco, momentos de incerteza são essencialmente momentos de preservação de caixa e aprimoramento das ferramentas de gestão de risco, incluindo instrumentos de hedge. Mesmo quando o assunto é investimento, a empresa tem seus mecanismos para alteração de rota, buscando reduzir sua exposição em momentos de instabilidade.
Racionalização de despesas e investimentos
Diante das inseguranças, algumas empresas, como o Grupo Fleury, têm optado por jogar em duas frentes: crescimento e contenção de despesas. As duas ações não são contraditórias, segundo Filippo. O crescimento inorgânico, inclusive, tem sido uma das soluções para ganho de mercado, com a aquisição de empresas de pequeno porte em um setor ainda bastante pulverizado. Mas, com o aumento do custo de capital, esse tipo de negociação tem sido mais difícil, o que reflete no esfriamento das atividades de M&A no país.
O executivo ressalta que os juros altos e as imprevisibilidades fazem com que “os valores dos ativos do setor acabem caindo por conta do desconto do fluxo futuro do negócio numa taxa mais alta, o que faz com que os negócios fiquem mais difíceis”, detalha.
Frente aos momentos de maior instabilidade macroeconômica, o papel do CFO fica ainda mais em destaque. Especialmente sua missão de racionalizar despesas. Nesses ambientes de discussão, a função do CFO é instigar as áreas para que analisem com minúcia se a companhia está performando dentro do planejado e, eventualmente, olhando para oportunidades de crescimento. “Dentro do comitê de investimentos da companhia, eu tenho um papel importante de desafiar [o restante da empresa a verificar] se a gente está olhando para o melhor investimento possível no momento adequado, e quais linhas de financiamento podem auxiliar”, relata Machado.
Para Soares, da Anastacio, da mesma forma que o negócio é protegido, com o controle de despesas, os investimentos também são estimulados em novos mercados, com a expansão da operação. “O fato de sermos uma empresa muito sólida financeiramente e termos o dono à frente dos negócios nos dá capacidade para competir e atender os nossos clientes com alto valor agregado”, garante o CFO.
Para que as estratégias e decisões da área de Finanças sejam levadas adiante, é fundamental o alinhamento em torno das metas de acionistas e administração. “Só é possível atravessar esses ambientes tumultuados se houver clareza sobre qual caminho deve ser percorrido e qual situação final deve ser perseguida”, diz Semeraro, da Dexco.
Planejamento e gestão de risco
Nesse cenário, a atuação do CFO está basicamente atrelada à produção do planejamento de longo prazo para que os períodos de turbulências e incertezas não impactem sobremaneira a companhia. A percepção é de Filippo, do Fleury. “Evidentemente, o planejamento é de longo prazo, mas eles precisam ser revisitados com uma frequência maior — às vezes, anualmente — a depender do ciclo daquela empresa”, explica.
Mas o planejamento por si só pode não alcançar problemas que não estavam no horizonte, ou que tiveram proporções maiores que as esperadas. Neste caso, outra dimensão importante a ser tratada pelo CFO é a gestão de risco.
Os executivos avaliam que a inconstância é parte natural dos ciclos econômicos e que, independentemente do momento, é preciso conservar os fundamentos da empresa. “Preservação do parque industrial, dos colaboradores em termos de capacidade de trabalho e desenvolvimento tecnológico. Esses são alguns cuidados que são sempre importantes e não devem ser deixados de lado por causa do momento da economia”, arremata Filippo.