Não é incomum olhar para o quadro de diretores de grandes instituições e ver que o diretor financeiro acumula a liderança de diversas áreas do núcleo duro da empresa. Hoje, em algumas empresas, entre as atividades centralizadas no CFO estão também as relacionadas ao tema da sustentabilidade.
Nesse cenário, o CFO é visto dentro das organizações como o executivo do novo mundo, com potencial para ser o catalisador de mudanças que impulsionam as empresas a um futuro mais sustentável e inclusivo. Esse papel requer uma nova combinação de habilidades técnicas e comportamentais (algo que já era exigido antes), diante da necessidade de a área de Finanças estar mais perto dos negócios para fomentar a inovação. Agora, mais do que pensar em como gerar rentabilidade, o CFO é instigado a fazer isso levando em conta uma demanda urgente: os impactos positivos nos âmbitos Ambiental (Enviromental) e Social da sigla ESG.
Além disso, a missão do executivo de Finanças passa por garantir que as iniciativas para cuidar do planeta e das pessoas estejam em consonância com a sobrevivência dos negócios da companhia no longo prazo. O “G”, de Governance ou Governança, lembra o mundo de que não existe sustentabilidade sem atividade econômica.
Assim, as pautas ESG estão reformulando o panorama corporativo e desafiando os líderes a repensar suas abordagens e prioridades. Para o CFO, isso significa abraçar um conjunto diversificado de competências que incluem desde a capacidade de liderar equipes multidisciplinares com empatia e visão estratégica até o conhecimento técnico profundo sobre novas tecnologias e processos. Nesse sentido, o papel central do CFO é “resolver a equação entre sustentabilidade e rentabilidade”, diz Silvia Loureiro, CFO na empresa de navegação Elcano.
Habilidades técnicas necessárias ao CFO sustentável
Nesse novo ambiente em que o lucro precisa ser modulado pelas exigências de sobrevivência no longo prazo não só do negócio, mas de tudo que o cerca, a automação de processos pode ser uma ferramenta importante, a começar pelo ganho de eficiência diante da necessidade de se fazer mais com menos. “A melhoria da produtividade via automação de processos, com o uso de tecnologias de inteligência artificial, é uma das habilidades técnicas que precisam estar no radar do CFO”, ressalta Loureiro.
Além disso, a área de Finanças deve se ocupar de produzir equações capazes de medir as iniciativas em sustentabilidade. “É um desafio produzir e administrar todos os KPIs tradicionais de uma companhia. E, hoje, a gente tem indicadores em Finanças voltados especificamente para ESG”, complementa a executiva da Elcano.
Daniel Karrqvist, vice-presidente de Finanças da Norsk Hydro Brasil, relata que mesmo ele, na posição de chefe de Finanças de uma empresa que é vista como referência no assunto ESG, precisa dedicar esforço intelectual e tempo no entendimento de mudanças relacionadas a atualizações das normas, que, para outros assuntos, não costuma demandar grande esforço. Contudo, “em ESG, há mudanças radicais a cada ano”, explica Karrqvist, o que impõe dedicação maior na atualização do profissional.
Nesse cenário, de renovação de tecnologias e de processos, “as exigências relacionadas às pautas ESG têm mudado algumas habilidades técnicas necessárias para um CFO” afirma Marcus Schlösser, CFO da bp bioenergy. Ele explica que, além das tradicionais habilidades financeiras e de gestão, os CFOs de hoje precisam entender protocolos de pegada de carbono, práticas de governança corporativa e questões sociais e de diversidade. “Não adianta falar apenas de outras habilidades. Hoje, a primeira coisa que um CFO precisa ter é um conhecimento dos aspectos ESG.”
Para Leonardo Vieira da Rocha, CFO e diretor de Relações com Investidores da LM Soluções de Mobilidade, entre as novas habilidades necessárias aos CFOs ele destaca “o domínio dos conceitos, protocolos e frameworks ESG para evitar qualquer surpresa com as questões regulatórias que cercam o tema”. “É preciso ter uma compreensão clara da pauta e estar sempre atualizado em relação às questões regulatórias e de compliance”, ressalta.
Contudo, só compreender não é suficiente. Por isso, o CFO deve ser orientado a dados para conseguir integrar as novas exigências às atividades da empresa. “Não adianta entender as normas, mas não conseguir aplicá-las no negócio a partir dos indicadores relacionados às metas ESG. Então, ter uma gestão integrada dos dados é fundamental”, acrescenta Rocha.
Como usar os dados a favor do ESG?
Os dados são essenciais para gestão das pautas ESG, tanto da porta para dentro da empresa quanto da porta para fora. Com relação ao ambiente interno, os dados podem ser fundamentais para o acompanhamento da demografia da organização e das ações voltadas para o “S” (Social), especialmente na questão da diversidade. “Eles servem para entender a população da companhia, quantos funcionários de grupos não dominantes, como mulheres e negros, há em diferentes cargos, inclusive nos de liderança”, explica Rocha. Eles são gerados basicamente por meio de pesquisas internas e informações colhidas pelo setor de Recursos Humanos e Desenvolvimento de Pessoas, que precisa trabalhar em parceria com Finanças nessas e em tantas outras iniciativas.
Da porta para fora, a LM usa dados mais intensamente para acompanhamento de indicadores relacionados ao “E” (Environmental). “Com os dados na mão, a gente analisa a emissão de poluentes e faz a manutenção preventiva corretamente, cuidando para que nossos veículos emitam menos gases”, explica.
Como um dos guardiães dos dados tanto internos quanto externos, Rocha faz questão de fazer o que chama de “gestão à vista” das informações. “Os dados precisam estar ao acesso de todos para que as pessoas possam enxergar como eles estão sendo usados no dia a dia para perseguir as metas e acompanhar se elas estão sendo alcançadas”, acrescenta.
O aumento da relevância dos dados no business das companhias e no cotidiano do CFO traz novas exigências técnicas para o executivo de Finanças. Contudo, mais do que conhecer as tecnologias que capturam, organizam e armazenam dados, o diretor financeiro deve ampliar sua capacidade analítica, uma vez que o grande negócio não é deter informações, mas usá-las para diferentes soluções. Para tanto, é indicado que o executivo de Finanças transcenda sua zona de conforto nas ciências exatas e desenvolva os saberes em disciplinas historicamente mais afastadas dos negócios, mais especificamente, as Ciências Sociais.
Nesse sentido, Schölosser destaca que as áreas de Administração, Economia, Ciências Contábeis, Engenharia e as exatas em geral sempre trouxeram “algo que vale muito para a posição de CFO”, que é o conhecimento técnico sobre as funções próprias de Finanças. Contudo, as Ciências Sociais podem contribuir sobremaneira para a formação de um profissional mais atento às questões sustentáveis em todas as suas dimensões, especialmente nas que circundam as vertentes Social e Ambiental da sigla.
Habilidades comportamentais
Nesse cenário de novas exigências ao CFO diante das demandas ESG, o desenvolvimento de habilidades comportamentais é ainda mais premente. Loureiro reforça que a habilidade de gerir pessoas nesse contexto é fundamental. A executiva aponta a necessidade de “colocar pessoas certas nas funções certas e integrar diferentes gerações” como alguns dos desafios que o CFO e outros executivos devem encarar para promover o desenvolvimento de ações voltadas especialmente à pauta Social dentro da empresa.
Para a integração da área de Finanças e da empresa como um todo, Schlösser destaca a importância de uma comunicação ativa por parte dos executivos. Nesse sentido, ele menciona a possibilidade de o CFO transitar por todas as áreas como uma vantagem para que ele assuma o protagonismo no desenvolvimento das pautas ESG. “A equipe financeira tem uma vantagem, que é a transversalidade dentro da empresa. Então, o CFO tem esse canal de acesso muito fácil a todas as áreas e funções, alcançando uma capilaridade muito grande dentro da empresa”, acrescenta o executivo da bp.
Também para Rocha, da LM, a habilidade de comunicação é o destaque entre as questões comportamentais que o CFO precisará desenvolver para ser efetivo na condução da sua área e da empresa como um todo na trajetória ESG. Como o papel de engajamento e influência do CFO é muito importante na organização, é fundamental que ele tenha “a habilidade de comunicação para promover essa transformação cultural”, esclarece.
Schlösser revela que tem participado de fóruns e ambientes multidisciplinares, internos e externos, para alcançar uma compreensão refinada da pauta ESG e oferecer soluções possíveis. “Acho que o primeiro ponto para que o CFO desenvolva habilidades necessárias às demandas ESG é olhar para fora da empresa. O segundo, é a escuta ativa para entender o que está sendo discutido de maneira ampla, na empresa e fora dela”, complementa.
Ainda sobre habilidades comportamentais, Karrqvist, da Norsk, diz que é preciso ter, acima de tudo “muita curiosidade, vontade de aprender e flexibilidade”, dado que o tema é complexo e há muitas diferenças entre as dimensões Ambiental, Social e de Governança.
Nesse sentido, quantificar as evoluções na vertente Ambiental pode ser mais fácil. “Se você emitiu uma determinada quantidade de carbono, e agora emite 10% a menos, então você conseguiu quantificar e determinar se o objetivo foi ou não alcançado”. Contudo, na parte Social, as empresas só agora começam a ter conhecimento de como impactar a sociedade. “Essa é provavelmente a dimensão menos desenvolvida das três”, diz o VP da Norsk.
O novo papel do CFO
Na medida em que o CFO passa a ter relevância na implementação das pautas ESG, a sua experiência e capacidade analítica se tornam cada vez mais cruciais. Schlösser argumenta que “não há ninguém melhor do que o CFO e a equipe de Finanças — que mais tem treinamento para isso — para a questão de definições de metas atingíveis”.
Ele cita, por exemplo, metas no âmbito Social, como as de diversidade. Algumas companhias que já têm programas ESG estabelecidos determinam um piso mínimo de 30% de mulheres na liderança. “Se você parte de uma base de 15% de mulheres na liderança, então vai estabelecer uma meta e um prazo e definir o melhor caminho para chegar lá. Para isso, você pode deixar a base mais robusta, com mais mulheres nos primeiros degraus, ou gastar mais energia com vagas afirmativas nas posições de liderança”, exemplifica. A área de Finanças e o CFO podem ajudar a definir o que é mais efetivo.
Nesse novo mundo, o papel do CFO ganha novas dimensões, principalmente quando a letra G, de Governança, é a abordada nas pautas sustentáveis. Se o CFO sempre precisou assegurar que a governança fosse eficiente o bastante para que os investidores e as instituições financeiras tivessem tranquilidade para investir ou financiar suas atividades, agora, as demandas por sustentabilidade impõem ainda mais controle externo para liberação de potencial de investimento.
“Para o Conselho ser eficiente, é preciso uma Gestão de Risco na qual a empresa, por meio do CFO, consiga capturar os principais riscos, analisá-los e apontá-los, porque o Conselho é a contrapartida dos executivos, que normalmente têm uma posição mais voltada à execução, enquanto o Conselho ocupa uma posição mais consultiva e de apoio (ou não) do executivo”, explica o CFO da Norsk.
Agora, no âmbito prático, uma das maneiras de o CFO atuar é na viabilidade financeira das pautas ESG, buscando, por exemplo, produtos mais verdes para financiamento das atividades. Além disso, do outro lado, o CFO tem uma responsabilidade muito forte sobre os custos, identificando se os fornecedores realmente são éticos e estão dentro das exigências ESG.
“O CFO, ao alinhar a receita e o custo com a estratégia, ajuda a empresa a viabilizar a sua visão de sustentabilidade. ESG não é sobre o agora, é sobre onde nós queremos chegar. Então, o CFO precisa ter habilidade de estratégia e também uma visão de como atingir as metas”, acrescenta Karrqvist.