Executivos contam como conciliam o aprendizado contínuo (lifelong learning) com o dia a dia intenso de um diretor de Finanças
As demandas para diretores de Finanças vêm avançando e, dadas as mudanças estruturais no mundo dos negócios, as novas exigências partem de todos os lados. É preciso estar mais atento às questões humanas e ambientais, compreender as novas formas de organização do trabalho e seus processos, incluir as novas tecnologias no dia a dia da área e da empresa, sem se esquecer da missão tradicional do CFO: cuidar do cofre.
Nesse cenário, o papel do CFO se destaca por, há algum tempo, já ter transcendido a consolidação de informações financeiras. Hoje, o executivo de Finanças está diretamente envolvido nas decisões estratégicas do negócio e na disseminação das pautas relacionadas à nova economia. Isso requer uma qualidade essencial para o profissional: capacidade de aprendizado contínuo ou lifelong learning.
Daniel Soraggi, CFO e diretor de Relações com Investidores da Estapar, afirma que essa prática não é apenas uma obrigação, mas uma vantagem fundamental para o sucesso no cargo. “O aprendizado contínuo é essencial para todos, sem exceção”, afirma Soraggi. Para um CFO, essa necessidade é ainda mais premente, uma vez que o profissional ocupa uma posição de liderança em uma área sensível e estratégica da empresa, em que a atualização constante é crucial para acompanhar as mudanças e o dinamismo do mercado.
Soraggi enfatiza que o aprendizado contínuo é um exemplo que deve ser dado pelo líder para sua equipe. Estar em um contexto de aprendizado constante, não só relacionado aos contextos formais de estudo, mas também à prática do mentoring e outras, mantém o CFO atualizado e inspira sua equipe a seguir o mesmo caminho.
Contudo, profissionais de renome indicam que a nova sala de aula do CFO é, principalmente, o ambiente corporativo, onde o aprendizado é intenso — embora o estudo formal, assim como leituras não acadêmicas, vídeos, podcasts ou discussões com mentores, sejam citadas como outros modos de alcançar o aprendizado contínuo.
Para Thiago Gasparotto, CFO da Tereos, o CFO, hoje, deixou de ser um consolidador de informações financeiras e passou a ser um ator-chave no desempenho e desenvolvimento do negócio. “E, por ter esse mandato, essa responsabilidade, ele precisa estar se atualizando, estar conectado com o negócio e entendendo mais sobre ele”, explica Gasparotto.
O executivo da Tereos diz que o aprendizado contínuo é inerente ao desempenho do CFO, e, por isso, parte do trabalho dele: “Ou você coloca isso numa agenda de forma planejada, ou você vai ao longo do tempo, de forma natural, tendo que aprender, pesquisar e desenvolver, porque o seu desempenho depende disso.” Segundo Gasparotto, essa combinação entre planejamento e aprendizado natural é fundamental para manter-se atualizado e eficaz no cargo.
Gasparotto reforça que o aprendizado contínuo não se restringe ao ambiente de trabalho, mas se estende a todas as esferas da vida. “Quanto mais eu faço coisas na minha vida pessoal que desenvolvam essa capacidade, mais preparado e mais munido eu vou estar no meu tempo profissional”, afirma. Essa interseção entre vida pessoal e profissional é vista como uma oportunidade para aprimorar habilidades e enfrentar desafios de maneira mais eficaz.
Rotina de aprendizado
No seu dia a dia, Gasparotto adota duas abordagens principais para o aprendizado contínuo. Primeiramente, ele dedica um tempo específico para o desenvolvimento de soft skills e interações com outros executivos e o mercado.
Além disso, ele enfatiza a importância do aprendizado diário através de pílulas de conhecimento, relacionadas aos interesses pessoais e os da empresa: “Esse é mais um trabalho do dia a dia, que não tem uma agenda específica. Mas, naturalmente, quando você está exposto ao negócio, você consegue entrar em contato com esse tipo de conhecimento.”
Entre as soft skills mais importantes, Gasparotto destaca as habilidades de comunicação e resolução de problemas. Para alcançá-las, ele busca cursos específicos e ambientes que favoreçam esse desenvolvimento. No entanto, ele aconselha os profissionais a, primeiramente, identificarem suas principais fraquezas e pontos a desenvolver e, então, partirem para a ação.
A trajetória de Gasparotto demonstra que o desenvolvimento dessas habilidades ocorre por meio da observação e da vivência. Ele destaca a importância de observar comportamentos eficazes e incorporá-los, além de acumular experiências que aprimoram sua capacidade de gestão. “Se você for uma pessoa atenta, vai conseguir capturar e incorporar hábitos e atitudes daquelas pessoas que têm uma boa capacidade de mobilização”, comenta. A vivência também desempenha um papel crucial, pois proporcionam situações que demandam a aplicação de soft skills, permitindo um refinamento contínuo dessas competências.
Para o Executivo Financeiro Rafael Ziggiatti, o aprendizado contínuo está diretamente relacionado a enfrentar situações desafiadoras no dia a dia de trabalho. Ele ressalta que momentos de crise são oportunidades de crescimento, em que é possível desenvolver características essenciais como comunicação assertiva, construção de uma imagem confiante e habilidades de liderança.
“No inglês, existe um termo chamado crucible moment, que é aquele momento no qual você evolui drasticamente através de uma experiência difícil. E, na cadeira de CFO, ou para se tornar CFO, você precisa passar a confiança de que consegue tocar temas difíceis e conduzir a empresa durante momentos turbulentos”, afirma Ziggiatti.
Métodos de organização
Luiz Aguiar, CFO da Stefanini, diz que adota uma abordagem planejada e disciplinada para adquirir novas habilidades: “Eu costumo fazer um planejamento prévio.” Isso significa criar um roteiro que conduzirá as demandas de crescimento profissional entre as demais atividades, o que inclui a participação em eventos e grupos de CFOs com o objetivo de se preparar para certificações futuras e ampliar o networking.
Rafael Ziggiatti sublinha a importância de uma disciplina e organização rigorosas para integrar o aprendizado contínuo ao cotidiano de trabalho. “Tem a hora da leitura. Eu tenho horário para ler o meu livro e horário para abrir as notícias do dia. Para outros afazeres, eu também bloqueio a agenda. Por exemplo, se preciso estudar sobre determinado tema, eu encaro esse momento como se fosse uma reunião”, descreve. Além disso, ele afirma que participa de grupos e organizações da área de Finanças, como o IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças) e o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) para trocar experiências e conhecimentos, enfatizando a importância do networking.
Ziggiatti acredita que o aprendizado prático, complementado pelo teórico, é fundamental para a atuação eficiente de um CFO. Ao retornar ao Brasil depois de um curso em Harvard, ele adquiriu diversos livros sobre o mercado de capitais e relação com investidores, buscando entender diferentes modelagens e análises. “Eu preciso estar por dentro das terminologias e de como funcionam esses mercados. Além disso, meu time me ensina muito”, afirma, destacando a importância de aprender com a própria equipe e com a prática diária.
Atualmente, o executivo está se aprofundando em temas relacionados ao mercado de capitais, uma área relativamente nova para ele. “Hoje, ocupo uma posição em empresa de capital aberto, e eu nunca havia trabalhado nesse tipo de companhia no Brasil. Então, estou tendo que desenvolver habilidades e conhecimentos relacionados a temas dos quais eu não estava acostumado a tratar”, conta.
Habilidades essenciais para um CFO
Ziggiatti destaca que o aprendizado não se restringe ao ambiente formal de ensino, mas vem de diversas fontes. “A gente costuma relacionar o aprendizado àquela imagem de ensino formal – estar numa escola, com professor. Mas, no nosso dia a dia, não é só assim que se aprende”, comenta. Para Ziggiatti, é fundamental manter uma mente curiosa e aberta, aprendendo um pouco a cada dia. Além disso, ele valoriza muito as trocas de experiências com outras pessoas, considerando essa prática como uma das formas mais enriquecedoras de adquirir conhecimento.
Para isso, ele investiu em um curso intensivo em Harvard de Liderança e Estratégia, que incluiu uma imersão rigorosa e extensa leitura. “Isso permitiu que eu me conectasse com outras esferas e, hoje, eu tenho relações em diversos países com executivos de altíssimo nível”, diz Ziggiatti, destacando a importância de manter essas conexões.
No cotidiano do trabalho, Soraggi destaca que o CFO precisa de habilidades além das técnicas. “Depois que você se torna um líder, sua necessidade de aprendizado muda. Você precisa desenvolver soft skills como relacionamento interpessoal, influência, comunicação e liderança”, avalia. Nesse sentido, ele diz que o autoconhecimento praticado via atividades lúdicas o ensinou a “lidar com emoções, frustrações e as diferentes personalidades”. “Isso ajuda a liderar uma equipe e a criar um ambiente de trabalho saudável e produtivo”, acrescenta.
Em relação ao networking, Gasparotto afirma valorizar as conexões pessoais e objetivas, ressaltando que as redes sociais, como LinkedIn, funcionam mais como uma ferramenta de reconexão ou abertura de portas. “As redes são muito mais para você se reconectar ou eventualmente abrir uma porta, mas o relacionamento, o networking verdadeiro, ele surge e é formado a partir das relações mais objetivas e próximas.”
Aplicação no cotidiano do trabalho
Ao refletir sobre sua trajetória, Soraggi compartilha que seu desenvolvimento foi uma combinação de aprender hard skills e, posteriormente, soft skills. “Nos meus 20 e poucos anos, foquei em aprender conteúdos técnicos. Na faixa dos 30, comecei a me interessar por liderança e comportamento. Hoje, como CFO, minha ênfase está em habilidades de liderança e influência.”
Contudo, Soraggi também menciona a necessidade de renovação das hard skills diante das novas tecnologias, como a inteligência artificial, que já são utilizadas pela Estapar para melhorar a eficiência operacional. “Temos projetos que envolvem IA e já estamos capturando valor com essas implementações. Isso exige um aprendizado contínuo sobre tecnologias emergentes e como aplicá-las no contexto empresarial.”
As histórias desses executivos podem ser diversas em vários aspectos, mas têm pontos em comum. Um deles é a importância do aprendizado contínuo e da aplicação prática das habilidades adquiridas na evolução dos profissionais em direção ao cargo de CFO e, depois, na consolidação deles como diretores de destaque. Nesse sentido, a combinação de hard e soft skills, aliada à curiosidade e ao desejo de evolução, permite que esses líderes financeiros naveguem com eficácia pelos desafios e pelas oportunidades que se tornarão cada vez mais frequentes com as mudanças aceleradas no ambiente corporativo por conta das novas tecnologias e dos processos produtivos.