A sociedade brasileira está envelhecendo. A expectativa de vida aumenta gradativamente e a porcentagem de pessoas com mais de 50 anos também cresce em ritmo acelerado. Segundo um estudo realizado pela consultoria PwC em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), até 2040, 57% da força de trabalho no Brasil terá mais de 45 anos. Entretanto, apesar desse envelhecimento ser evidente na estrutura social do país, o etarismo, também conhecido como discriminação etária, é muito recorrente no ambiente corporativo, especialmente na área financeira.
Dentro desse contexto, em Finanças, com uma certa frequência, há uma falsa impressão de que profissionais com mais de 50 anos podem estar ultrapassados ou que já não possuem energia o suficiente para lidar com as longas horas de trabalho e os prazos de entrega curtos que a área exige. Assim, certas organizações preferem evitar a contratação de Executivos mais maduros em prol dos mais jovens. No entanto, ao fazer essa escolha, as companhias acabam perdendo a oportunidade de ter profissionais com vivências diversificadas em suas equipes e que apresentam maior resiliência devido aos diversos momentos desafiadores vivenciados ao longo da carreira. Além disso, a contratação de profissionais com mais de 50 anos também contribui para a diversificação de pensamentos, gerando uma maior capacidade de inovação, tomadas de decisões mais assertivas e, consequentemente, bons resultados para a empresa.
De acordo com um estudo publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as vítimas do etarismo tendem a se ausentar mais do trabalho por terem a saúde mental afetada por essa discriminação, sendo que, entre dez mil trabalhadores que participaram da pesquisa, houve um total de cinco mil faltas não justificadas e que estavam diretamente ligadas ao preconceito por causa da idade. Com isso, a produtividade desses profissionais diminui consideravelmente, bem como a autoestima e o bem-estar deles, impactando negativamente os indicadores das políticas internas de incentivo à diversidade e refletindo diretamente no desempenho da empresa como um todo.
Outro ponto importante de consequências negativas causadas pelo etarismo é o próprio processo de recolocação desses Executivos com mais de 50 anos no mercado de trabalho. Se já é difícil ter que lidar com o preconceito de idade dentro das organizações, os desafios são ainda maiores para os profissionais mais maduros que estão em busca de um novo emprego. Dessa forma, volta-se à questão dos falsos estereótipos: de que esses Executivos estão desatualizados em relação às ferramentas de tecnologia e aos conhecimentos técnicos de Finanças e que não têm energia o suficiente para lidar com a rotina agitada e exigente da área financeira. Nesse sentido, o interesse em manter-se atualizado e o dinamismo a ser empregado nas rotinas do dia a dia devem ser pontos avaliados caso a caso e de forma individual durante o processo seletivo, sem levar em conta qualquer estereótipo criado pela idade do candidato. Não se pode afirmar ou prever que profissionais mais jovens sejam mais atualizados sobre tendências tecnológicas e que possuam um ritmo mais acelerado do que profissionais mais experientes. Ademais, por estar em um estado avançado da sua carreira e muito mais acostumado ao ambiente político corporativo, o Executivo mais maduro tende a apresentar uma adaptabilidade mais rápida às necessidades da função e da nova empresa e um jogo de cintura maior e mais efetivo ao lidar com os stakeholders internos e externos. Por outro lado, tampouco deve-se desprezar candidatos mais jovens por acreditar que, devido à sua idade baixa, possuem pouca maturidade ou visão estratégica, por exemplo. Sempre se deve avaliar caso a caso e não se pode generalizar com base em vieses ou preconceitos.
Assim, excluir Executivos com mais de 50 anos do mercado de trabalho é renunciar a infinitas oportunidades de implementação de melhorias internas em prol do negócio e da diversificação de pensamento crítico dentro das organizações. Por isso, é necessário estimular a contratação desses profissionais e criar um ambiente inclusivo através de sistemas de ouvidoria, palestras e treinamentos à área financeira para evitar a ocorrência do etarismo e conscientização sobre a importância da atração e da retenção de profissionais de gerações distintas junto aos líderes da corporação.
Para compreender melhor a importância da diversidade etária na área de Finanças, os desafios que Executivos com mais de 50 anos enfrentam e o papel das companhias no alcance desta diversidade, convidamos três profissionais de Finanças para compartilharem suas perspectivas e vivências em relação ao tema.
Alfredo Silva
CFO | The Estée Lauder
Stânia Moraes
Diretora de Finanças e Contabilidade | Ciena
Wilson Fernandes
Head de Finanças LATAM e Diretor Financeiro Brasil | Ipsen
Na sua opinião, qual é o papel das companhias e quais ações elas devem promover para superar os obstáculos em prol da diversidade etária?
Alfredo Silva: O papel das companhias é criar um ambiente de inclusão através da promoção da diversidade em todos os aspectos, inclusive o etário. A principal ação é a educação/treinamento. Para isso, deverão criar um comitê ou uma área, dependendo do tamanho da empresa, com o objetivo de mapear os diversos perfis e identificar os conteúdos e formas dos treinamentos. Acredito também na mentoria reversa para ajudar nessa formação.
Stânia Moraes: Digamos que é um papel da sociedade como um todo, pois os obstáculos são muitos. No que tange à carga de trabalho, lidamos com diversas questões, do tipo: será que vamos “dar conta” das tarefas e, consequentemente, das entregas? Mais do que aprender a nos defender, devemos adquirir condições de colaborar para a construção de um harmonioso e produtivo ambiente de trabalho. As empresas estão empenhadas em criar políticas promovidas dentro dos comitês de diversidade e inclusão. Com isso, trouxe aqui algumas sugestões de Stephanie Sarkis, no seu artigo “Combate à discriminação por idade no trabalho: para empregados e empregadores”, publicado na plataforma Forbes:
➢ Primeiro, examine se você está enfrentando discriminação por idade ou se quem te agride é rude com todos no escritório;
➢ Em seguida, resolva quaisquer problemas diretamente com o colega de trabalho ou superior que o agride. Elabore as suas respostas na primeira pessoa, mencionando como se sente e como isso o afeta. Quando você declara uma preocupação do ponto de vista da primeira pessoa, surge um comportamento menos defensivo. Isso favorece a criação de uma forma mais eficiente de solução do problema;
➢ Se você tentou resolver o problema diretamente com a pessoa envolvida e ainda não chegou a uma solução satisfatória, considere reportar a questão a seus superiores. Conheça os procedimentos adequados do seu local de trabalho para abordar a questão de forma profissional. Lembre-se de que você também tem a opção de consultar um advogado trabalhista;
➢ Se você é um chefe ou proprietário de uma empresa, avalie se a linguagem que você e a sua equipe usam, ou as abordagens em entrevistas de seleção, são tendenciosas em relação à idade de seus entrevistados;
➢ Considere trabalhar com um psicólogo organizacional para determinar o grau de preconceito de idade existente em sua empresa. Este profissional usará instrumentos adequados para avaliar as atitudes dos funcionários em relação aos colegas de trabalho de diferentes idades.
Wilson Fernandes: Isso passa por valorizar os benefícios únicos da diversidade etária nos processos de negócio e o valor agregado que, eventualmente, esse profissional pode trazer à mesa. Não podemos ignorar, entretanto, que pessoas com muito tempo nas companhias podem ter salários mais altos do que o mercado (especialmente pela aplicação de dissídios), o que pode gerar trocas de profissionais por pessoas de perfil mais júniores e salários mais baixos em funções administrativas repetitivas.
Tendo em vista a difícil ascensão de profissionais com mais de 50 anos a posições Executivas na área financeira, como eles podem ultrapassar os estereótipos e preconceitos ligados à idade a fim de trilharem novos caminhos em suas carreiras?
Alfredo Silva: O profissional sempre precisa estar atualizado não só com relação aos aspectos técnicos de Finanças, negócios e economia, mas também sobre como se relacionar com as pessoas de diferentes gerações. Mães e pais sempre terão esse desafio em casa e não vale falar: “Mas na minha época…”. Entender como os mais jovens pensam, os seus valores, necessidades de curto prazo, e principalmente a forma como eles se comunicam, irá ajudar muito a quebrar estereótipos e preconceitos. Gerações diferentes precisam estar conectadas para diminuir conflitos e aumentar as sinergias.
Stânia Moraes: O primeiro passo é sempre estar atualizado com as tendências. Por mais inusitadas que elas sejam, é muito importante entender para não ser visto como alguém ultrapassado ou que ficou parado no tempo. Ao ser um profissional sempre em movimento, que estuda as tendências e busca ser diverso no seu networking, será visto como um Executivo atualizado por onde transitar. Outro ponto muito importante é desmistificar que não temos o mesmo fôlego, que não temos a mesma energia de quando éramos mais jovens, buscando sempre acompanhar o ritmo de toda a equipe.
Wilson Fernandes: Para mim, é essencial o profissional de qualquer idade se manter atualizado e entender as novas tendências do mercado profissional. Muitas profissões vão desaparecer nos próximos anos, bem como novas atividades surgirão, independentemente da idade do ocupante destas posições. Ao entendermos que sempre é cedo para recomeçar, devemos depositar a energia e o esforço para aprender novas habilidades.
Você já sofreu ou presenciou qualquer tipo de preconceito com profissionais mais maduros no ambiente de trabalho? Se sim, alguma providência foi tomada?
Alfredo Silva: Sim, já presenciei e de duas formas: a consciente e a inconsciente. Em algumas situações, percebi que a pessoa fez sem perceber que estava com uma postura enviesada. A providência tomada foi mais no sentido de educação através de treinamentos corporativos. Dentro desse contexto, entrevistas às cegas também ajudam empresas a serem mais inclusivas, reduzindo o viés na seleção.
Stânia Moraes: Temos o costume de responder que não sofremos preconceito, porém frases como “nossa, você não aparenta a idade que tem” ou “depois de certa idade, todos são iguais ao Fusca – o que vale é o estado de conservação e não o ano de fabricação” são tipicamente preconceituosas. Ainda não temos maturidade corporativa estruturada para tomar providências, pois o fato é que, definitivamente, estamos na fase de entendimento sobre o que é o preconceito e como agir para evitá-lo. Estudo feito pela Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) observou que 63% das empresas adotam Programas de Diversidade e Inclusão. Entre os tipos de diversidade mais abrangidos, a etária ocupa a 5ª posição. O motivo? Os líderes e colaboradores não percebem o etarismo como uma dor. Apesar disso, muitas organizações já adotam medidas para evitar o preconceito.
Wilson Fernandes: Sempre fui muito valorizado pela experiência e a maturidade em situações críticas e nunca presenciei nenhum tipo de preconceito. Caso veja algo nessa linha, ou eu mesmo venha a sofrer qualquer tipo de preconceito, imediatamente envolveria o Compliance da empresa. Apesar de ver essas situações como decorrentes de posições individuais de gestores do que algo determinado pelas organizações, mudamos hábitos ao não aceitar práticas injustas, por isso, a denúncia aos canais competentes.
De modo geral, quais são os principais benefícios que a área de Finanças pode obter ao adotar a diversidade etária como um dos seus principais pilares?
Alfredo Silva: Engajamento: o profissional com mais de 50 anos que depende da renda de um emprego dará muito valor a um empregador que o contrate. Nesse sentido, terá uma postura mais agregadora, sem se importar muito com a competitividade no ambiente de trabalho, visto que o Executivo já passou por isso e está em outro momento da carreira. Experiência: muitos problemas se repetem e a chance de o profissional já tê-los vivenciado em algum momento na carreira é muito grande. A experiência de que problemas não envelhecem ajudará com a definição de prioridades e ditará o ritmo das ações que precisam ser implementadas. Além disso, acredito que o profissional de Finanças mais experiente é também mais corajoso e assertivo.
Stânia Moraes: O ganho será trazer para a organização uma convivência diária de gerações distintas que, trabalhando juntas, geram resultados fantásticos, pois visões diferentes advindas da diversidade são as que verdadeiramente impulsionam as empresas a terem resultados melhores. Uma das premissas para criar times diversos é que trazer outros pontos de vista para a companhia contribui para gerar inovação. No caso de profissionais mais velhos, isso tem o adicional da experiência e da bagagem. Vale lembrar que, quando contratamos Executivos mais experientes, também estamos trabalhando o pilar da inclusão e diversidade das empresas.
Wilson Fernandes: Com certeza, a experiência de ter vivenciado situações críticas faz toda a diferença em áreas como Impostos, M&A, FP&A e Compras – só para citar algumas. Mas, insisto na importância de que pessoas maduras sigam aprendendo sempre. Se a idade não assegura experiência, também não pode ser justificativa para não seguir aprendendo.
Como Executivo com mais de 50empres anos que ocupa posições de liderança em Finanças, o que você diria para outros profissionais deste grupo que ainda desejam buscar novos desafios em suas carreiras na área financeira e que precisam de uma referência como você?
Alfredo Silva: Eu diria para que dê atenção primeiro à própria saúde mental, física e espiritual. Você é a sua prioridade e o trabalho é um meio de vida. Atualize-se, pratique sempre a empatia, seja humilde e tenha a cabeça aberta para apreender com quem seja. Acredito que isso é uma das bases principais para manter um equilíbrio entre as gerações.
Stânia Moraes: O principal desafio é estar sempre em movimento, disposto a sempre aprender algo novo ou se aprofundar em algum assunto de seu interesse, pois conhecimento, já dizia o meu pai, não ocupa espaço e você só tem a ganhar. Um ponto bem importante, que é independente da idade ou qualquer outro viés, é manter a sua rede de contatos sempre ativa e saber transitar em todas as áreas de uma empresa. Mostre-se, seja uma pessoa notada pela sua ativa participação e, assim, todas as possíveis barreiras irão diminuir no seu caminho. Com isso, iremos criando oportunidades de carreira. “Diversidade é convidar para a festa, inclusão é convidar para dançar”, diz a nossa querida Rachel Maia.
Wilson Fernandes: Acredito que o mais importante é o profissional mais maduro não perder de vista toda a experiência e capacidade que adquiriu ao longo da sua carreira. Essa experiência pode fazer a diferença para muitas empresas em vários momentos. Eu mudei de trabalho aos 47, 52 e 55 anos de idade a convite de grandes companhias, líderes em seus segmentos de mercado, sem falar que estou no auge da minha capacidade cognitiva, maturidade e liderança. Acredite em você e esqueça sua idade!