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O maior desafio em um processo seletivo é garantir que os candidatos possuam as atribuições técnicas e comportamentais aderentes às que se espera na posição a ser preenchida. Como headhunters, é de nossa responsabilidade certificarmo-nos se essa aderência existe. Durante a análise da carreira e da experiência do candidato, existem alguns fatores cruciais que fazem muita diferença na hora de decidir se ele segue ou não no processo de seleção e avança para a entrevista. Um deles – talvez o mais importante – diz respeito à estrutura acionária das empresas pelas quais passou, isto é, se a experiência do candidato é mais relevante em companhias de capital aberto, de capital fechado ou de capital misto.

A estrutura acionária de uma determinada empresa impacta diretamente o papel, o peso das atribuições e o que se espera da sua área de Finanças. Assim, há uma notável diferença no conhecimento técnico e nas habilidades comportamentais desenvolvidas por um Executivo Financeiro com mais experiência em empresas de capital aberto e de outro com mais experiência em empresas de capital fechado ou de capital misto.

No que tange à capacidade técnica, o Executivo Financeiro desenvolve bons conhecimentos em todo tipo de estrutura acionária, mas de formas diferentes. Pelo fato de que o objetivo primordial de uma companhia de capital aberto é gerar valor ao seu acionista, a área financeira foca seus esforços em uma gestão efetiva de caixa, gerenciando muito bem os níveis de endividamento e os prazos de pagamento e de recebimento. Para tanto, sua Tesouraria ganha relevância e precisa ser extremamente ativa no mercado de capitais, desenvolvendo estratégias de captação, de financiamento, de investimento e de proteção dos seus ativos de acordo com o seu perfil de risco. Ademais, é esperado que o Executivo Financeiro de empresas de capital aberto tenha uma agenda mais voltada à Relações com Investidores, participando constantemente de reuniões e de apresentações da companhia ao mercado financeiro em geral e mantendo um relacionamento próximo com bancos, gestoras de ativos e fundos de investimento. O alto nível de exigência dos órgãos reguladores (em especial a CVM e a B3), de seus acionistas e do Conselho de Administração, no que se relaciona à divulgação de informações financeiras de forma fidedigna e transparente, forçam a área de Finanças a possuir uma estrutura de governança sólida, com controles internos eficientes, com políticas de integridade maduras e com processos bem estabelecidos. Por outro lado, um Executivo Financeiro de empresas de capital fechado, influenciado pela não obrigatoriedade da divulgação de suas informações financeiras ao mercado, acaba focando seus esforços na explicação da situação financeira aos sócios e na otimização da rentabilidade do resultado da companhia, desenvolvendo projeções de resultado e processos orçamentários robustos e atuando muito próximo às áreas de vendas, marketing e supply chain, de modo a oferecer o suporte financeiro necessário para que as metas sejam alcançadas e haja a maximização dos lucros. A gestão do caixa também tende a ocupar grande parte do seu tempo, pois, em muitos casos, o acesso ao crédito é restrito e os sócios são mais conservadores ao atuarem no mercado de capitais. Entretanto, como headhunters, entendemos que, independentemente da estrutura acionária da empresa, o Executivo Financeiro precisa posicionar-se cada vez mais como um parceiro de negócios.

Naturalmente, as habilidades comportamentais desenvolvidas pelo profissional de Finanças também variam de acordo com a estrutura acionária da companhia. Um Executivo Financeiro de uma empresa de capital aberto tende a possuir boas habilidades voltadas à comunicação e à capacidade de influência, haja vista que é o responsável por lidar diretamente com os acionistas e com o mercado, além de participar ativamente das reuniões junto ao Conselho de Administração. Já o profissional financeiro de uma empresa de capital fechado precisa possuir mais habilidades comportamentais voltadas à adaptabilidade e à resiliência, considerando que são comuns as mudanças inesperadas de rota e as tomadas rápidas de decisão. Além disso, a capacidade de negociação também é fundamental ao lidar diretamente com os “donos”, pois sempre será necessário alinhar muito bem o que deve ser prioridade e o que deve ser deixado de lado para que os resultados desejados sejam atingidos.

Assim, a transição de profissionais de Finanças entre empresas com estruturas acionárias diferentes não é simples e tende a ser cada vez mais complexa à medida que a senioridade da posição aumenta. É de extrema importância que o Executivo tenha em mente quais são os pontos (técnicos e comportamentais) que não podem ser negligenciados e precisam ser desenvolvidos para que possa ser elegível a essa transição e se planeje de tal forma que tenha experiências relevantes ao longo de sua carreira tanto em empresas de capital aberto quanto em empresas de capital fechado, aumentando seu leque de possibilidades profissionais e sua empregabilidade.

Com isso, a fim de entender esse tema em mais profundidade, convidamos três Executivos que tiveram passagem por empresas de diferentes estruturas acionárias para compartilharem suas visões e perspectivas.

Augusto Ribeiro

CEO | Iochpe Maxion | Divisão Maxion Componentes Industriais

Flávio Vidigal de Capua

Diretor Financeiro e de Relações com Investidores | TECNISA

Vitor Fabiano

CFO | DIA Supermercado

Quais são as principais diferenças em relação às capacidades técnicas desenvolvidas pelo Executivo de Finanças em uma empresa de capital aberto e em uma empresa de capital fechado?

Augusto Ribeiro: Em uma empresa de capital aberto, existe uma camada a mais de reporte. Analistas buy-side e sell-side e órgãos de monitoramento de compliance como CVM, são exemplos de interfaces e responsabilidades que um CFO, atuante em uma empresa de capital fechado, não possui, ou então as possui em um grau muito menor de exposição. Tais interfaces demandam uma formação um pouco mais ampla, principalmente em relação às áreas de Relações com Investidores e o Jurídico Societário – o CFO, normalmente, acumula a função de Diretor de Relações com Investidores da empresa de capital aberto, o que o expõe a responsabilidades e obrigações específicas perante alguns órgãos de controle.

Há, também, uma certa diferença nas áreas core em que o CFO atua. Isso não significa que a acuracidade de um reporte ou a aplicação de regras contábeis ou um bom controle de caixa não sejam itens importantes em qualquer estrutura societária, mas, em uma empresa de capital aberto, o CFO tem uma maior responsabilidade pelas informações disponibilizadas, já que o público-alvo aumenta consideravelmente.

Flávio Vidigal de Capua: Penso que as principais diferenças nas capacidades técnicas entre um Executivo de Finanças de uma empresa de capital aberto e uma de capital fechado são que o primeiro grupo, por estar inserido em um ambiente regulado pela CVM/B3, precisa ter conhecimento profundo das regras de divulgação de informações e domínio da lei das Sociedades Anônimas para que possam ser tomadas decisões que não estejam em desacordo com o Estatuto da Companhia e com as leis aplicáveis. Além disso, o Executivo tem que possuir um conhecimento maior de mercado de capitais, dado que uma empresa de capital aberto pode acessar uma gama maior de Instrumentos Financeiros, sendo preciso, para isso, o conhecimento dos mercados de equity e de dívida, tanto no mercado interno quanto no externo.

Existem, ainda, requisitos importantes no tocante à governança que, usualmente, os Executivos que trabalham em companhias abertas precisam ter conhecimento, como, por exemplo, a coordenação das Assembleias de Acionistas (AGO e AGE), das reuniões do Conselho Fiscal e dos Comitês Financeiro e de Auditoria e, para muitas empresas, a interação e a coordenação das pautas financeiras das reuniões do Conselho de Administração. Em relação à parte Contábil, também é necessária a habilidade técnica para coordenar os trabalhos junto à empresa de Auditoria e cumprir os prazos e requisitos impostos pelo regulamento das companhias abertas. Dito isso, percebo que hoje muitas empresas de capital fechado já incorporaram muitos itens da agenda de uma empresa de capital aberto, ou porque têm ambição de estarem prontas para acessar o mercado de capitais através da oferta de ações ou porque querem elevar o nível de governança e controles com o objetivo de acessar estruturas de funding a taxas mais atraentes, que, usualmente, estão disponíveis para empresas com maior nível de disclosure e governança corporativa.

Em síntese, entendo que um Executivo de Finanças, tanto em uma empresa de capital fechado quanto em uma de capital aberto, precisa ter domínio de Instrumentos Financeiros, Contabilidade, Planejamento Financeiro, Tesouraria (contas a pagar e receber), gestão de fluxo de caixa e, dependendo da estrutura, de questões tributárias.

Vitor Fabiano: Há dois aspectos importantes na gestão de uma empresa de capital aberto que requerem habilidades técnicas especificas. Em primeiro lugar, o CFO deve compreender como o mercado entende e precifica sua empresa e qual a modelagem que analistas de buy-side utilizam para definir o preço da sua ação – esse processo requer uma permanente e intensa interação com o mercado investidor através de seus analistas que dão guidance de buy, sell ou hold das ações de sua empresa. Se o CFO compreende quais variáveis o mercado valoriza e das quais ele foge, ele poderá orientar o negócio em sua estratégia e manter a sua ação em boa performance, além de poder se comunicar de forma mais efetiva com o mercado, educando os analistas a compreender certos desafios e particularidades de seu negócio e apresentando-lhes uma conotação positiva que refletirá na precificação de suas ações.

Em segundo lugar, o CFO deve compreender claramente quais são suas novas responsabilidades fiduciárias, pois há um conjunto relevante e complexo de requisitos legais de governança e comunicação com o mercado a serem cumpridos. Por exemplo, se a empresa faz uma mudança grande no seu quadro executivo, ou decide realizar a incorporação de uma empresa às suas atividades, o CFO deve estar atento às mudanças significativas da agenda corporativa, comunicando-as ao público como Fato Relevante, pois, caso contrário, poderá haver sansões legais ao profissional de Finanças da empresa de capital aberto.

E em relação às habilidades comportamentais?

Augusto Ribeiro: Penso que não exista tanta diferença nas habilidades comportamentais. Liderança, argumentação sólida, poder de influência, entre outros, são competências necessárias em qualquer ambiente de trabalho. O que acontece é que o ambiente de empresas de capital aberto, por serem mais diversas, demanda mais de algumas competências do que de outras. A capacidade de argumentação lógica, por exemplo, é muito importante em um roadshow com investidores, em que há a apresentação – muitas vezes, em outro idioma – do planejamento estratégico da empresa para os próximos anos.

Flávio Vidigal de Capua: Em relação aos soft skills, percebo que, na maioria das vezes, é necessário que os Executivos, atuantes em empresa de capital aberto, desenvolvam uma capacidade de comunicação diferenciada, uma vez que precisarão interagir recorrentemente com acionistas através de reuniões públicas e reuniões privadas. Além disso, ele também precisará interagir com analistas tanto de sell-side quanto de buy-side, já que muitas vezes a agenda de um Executivo de Finanças de empresa de capital aberto incorpora essas funções.

Outras habilidades importantes são a negociação e a adaptabilidade, já que, muitas vezes, em uma empresa de capital aberto, as principais decisões financeiras são tomadas no Conselho de Administração – órgão que, em sua maior parte, é formado por diversos acionistas e membros independentes com visões diferentes. Isto posto, a função do Executivo de Finanças é entender as necessidades de cada grupo e conseguir aprovar um plano que busque a conciliação do interesse de todos, sem deixar de lado sua principal função: cuidar da saúde financeira da companhia. Além disso, por terem ações listadas em bolsa, a composição do Conselho de Administração muda constantemente, o que reforça os pontos que mencionei.

Vitor Fabiano: O CFO precisará se dedicar à uma maior profundidade estratégica e o entendimento do negócio será fundamental para atender aos investidores com a atenção requerida. Atender acionistas em uma companhia aberta não é um exercício trimestral, mas, sim, diário. Os investidores visitam a empresa, há o Company Day, que exige preparação meticulosa, elaboração e divulgação de guidances, além do atendimento a inúmeros convites de investidores institucionais e conferências de investidores. O CFO irá contar com a imprescindível ajuda de Relações com Investidores, mas o seu papel é indelegável, por demanda dos próprios investidores. Há duas habilidades que um CFO de empresa de capital aberto precisa ter: comunicação e transparência. O mercado valoriza o CFO transparente que mostra a evolução do negócio, os desafios e as incertezas com clareza.

O que muda na agenda e nas prioridades do CFO de acordo com a estrutura acionária da empresa em que está?

Augusto Ribeiro: A agenda de um CFO em uma empresa de capital aberto muda quando, além das demandas normais que a função exige – reuniões com bancos, discussão de resultados com pares, coordenação de projeções e orçamento, planejamento estratégico, entre outros –, o CFO também precisa dedicar uma parte significativa de seu tempo para atender os analistas de mercado, comparecer a conferências de Relações com Investidores, e atender e auxiliar a governança do conselho, que são, normalmente, mais complexas do que o equivalente em uma empresa de capital fechado. Em resumo, há um aumento significativo dos tipos de stakeholders, para os quais o CFO precisa dedicar uma parte considerável de sua agenda.

Flávio Vidigal de Capua: Como mencionei na resposta anterior, a prioridade de um CFO, em minha visão, deveria ser a de manter a saúde financeira da empresa e defender os interesses dos acionistas da companhia de maneira ética e transparente. Desta forma, quanto mais complexas forem as estruturas acionárias da companhia, maior será a capacidade técnica e de comunicação exigidas do Executivo de Finanças, já que o mesmo deverá interagir com grupos de interesses distintos, que demandarão grande capacidade de apresentação e de política (negociação) do Executivo de Finanças, para que possa interagir e ganhar a confiança do maior número possível de acionistas. Com isso, o Executivo conseguirá, possivelmente, aprovar o Planejamento Financeiro desenhado e implementar sua estratégia financeira. Nem sempre a vida real é tão simples, e estruturas complexas de acionistas podem demandar uma grande capacidade de adaptação do Executivo que poderá trabalhar em diferentes cenários que não foram projetados antes.

Vitor Fabiano: A agenda de um CFO de uma empresa de capital aberto muda radicalmente a partir do IPO. O CFO trabalha em conjunto com os fundadores da empresa, desenvolve um bom relacionamento com um ou dois controladores/fundadores do negócio para levar a empresa ao mercado e, então, ele toca o sino na B3 e, no dia seguinte, têm 15 mil donos da empresa para atender. Isso requer um grande esforço de adaptação para cumprir a nova agenda e habilidade para se comunicar com analistas e com os maiores investidores, que normalmente pedem para conversar com o CEO e o CFO. Com a mudança do equilíbrio de prioridades internas e externas, é preciso ter flexibilidade e senso de relevância para cumprir essa nova agenda.

Quais foram as adaptações necessárias e os principais desafios encontrados durante a transição que realizou entre empresas de estruturas acionárias diferentes (de capital fechado para capital aberto ou vice-versa)? Que dicas você daria aos Executivos que planejam fazer essa transição?

Augusto Ribeiro: Além dos desafios encontrados durante a mudança de qualquer emprego – nova cultura, novas crenças, tecnologias e dinâmicas da indústria, entre outros – , transitar de uma empresa de capital fechado para uma de capital aberto, como foi o meu caso, demanda um pouco mais de preparação técnica na parte relacionada às obrigações impostas pela CVM/SEC – SOx, Audito ria Externa, reporte 20F, entre outros –, modelo de governança – conselho mais atuante, Comitês de Auditoria, Comitês Fiscal – e conhecimento básico de estruturas e obrigações societárias.

Não acredito em um modelo que sirva para todos, pois, no final das contas, todos possuímos experiências e fortalezas diferentes, que são baseadas em nossa vida pessoal e profissional. Creio, porém, ser importante reforçar que, sendo impossível aprender tudo antecipadamente, ter uma boa equipe, que se mostre dinâmica e diversa, é essencial para a função do CFO, sendo responsável por quase 90% do seu sucesso. O resto, a meu ver, não passa de bom senso.

Flávio Vidigal de Capua: No início, a minha carreira foi desenvolvida em grandes bancos onde a estrutura era muito hierarquizada, regulada e controlada por diversos comitês – crédito, pessoas, entre outros. Desta forma, precisei de adaptação quando mudei para uma empresa de capital aberto, onde tive a oportunidade de trabalhar em empresas menores e, assim, ter acesso direto aos tomadores de decisão final – Conselho de Administração e CEO. Nesse ambiente, consegui perceber que minhas ações e sugestões traziam um impacto muito mais rápido e direto no resultado da empresa. Além disso, pude desenvolver muito meu lado mais humano e de gestão de pessoas. Hoje, percebo que grande parte das decisões de um Executivo dependem de bom senso e capacidade analítica, assim, penso que uma das principais características que um Executivo deve ter para se adaptar em qualquer ambiente é Inteligência Emocional e controle, além dos hard skills necessários para a posição. Com isso, a transição será, provavelmente, bem-sucedida.

Vitor Fabiano: O CFO precisa preparar seu time com muita antecedência para operar com mais autonomia numa realidade de companhia aberta, pois, desta forma, ele terá tempo para se dedicar às demandas que o mercado investidor irá requerer. Em relação aos pares do comercial, da tecnologia e de operações, é preciso haver maior profundidade ainda para permitir que o CFO entenda o negócio para, assim, apresentá-lo aos investidores. Uma questão fundamental que o CFO precisa entender é o valuation do negócio, pois ele precisa compreender como o mercado irá precificar as ações de sua empresa. Esse trabalho não é dos bookrunners, mas, sim, do Executivo de Finanças. Observa-se nos IPOs, por exemplo, uma grande variabilidade na precificação das empresas no processo de book building, o que se deve ao desalinhamento da companhia com os analistas de sell-side. Com isso, o CFO tem o papel fundamental de influenciar a modelagem do seu negócio pelos investidores, pois se a modelagem interna e do mercado forem semelhantes, não haverá surpresa na precificação.