Há algumas décadas, o papel do CFO era, em essência, bastante objetivo. O Executivo Financeiro tinha, basicamente, três tarefas principais: ser o guardião dos livros e registros contábeis da empresa, garantir que os impostos estivessem sendo calculados e pagos corretamente e manter o fluxo de caixa da companhia saudável. A estratégia e a tomada de decisões ficavam sob a responsabilidade de outros membros do C-Level, enquanto o CFO estava restrito a um papel mais operacional, de baixo protagonismo. Porém, o CFO de hoje é fundamentalmente diferente do CFO de ontem: enquanto o do passado assumia uma função puramente de suporte, o moderno incumbe-se de um papel relevante e central na estratégia das companhias, sendo responsável por suportar a tomada de decisão do negócio com base em análises apuradas e por trazer soluções que visem a otimizar a margem da empresa e a garantir um bom posicionamento frente a seus concorrentes. Para tanto, a formação do Executivo moderno de Finanças também sofreu mudanças relevantes, e a passagem por diversas disciplinas financeiras tornou-se uma realidade no currículo de quem ocupa ou almeja ocupar tal posição. É notável que os CFOs atuais devem possuir muito mais habilidades comportamentais do que apenas os conhecimentos técnicos do passado, assumindo a posição de parceiro de negócios do CEO ao utilizar o contexto financeiro para direcionar as tomadas de decisões estratégicas nas organizações.
Assim, profissionais financeiros agregam muito valor à sua trajetória profissional quando transitam em áreas de Finanças diferentes de seu escopo e/ou de sua função original, pois acabam desenvolvendo pontos técnicos e comportamentais complementares à sua formação. Quando esta transição ocorre, ele se vê diante de contextos e desafios novos e passa a lidar com pessoas, perfis e processos diferentes daqueles com os quais estava acostumado e, por isso, precisa ser capaz de se adaptar rapidamente para que possa continuar entregando resultados com qualidade e dentro do prazo. Para a formação de um Executivo financeiro, estas mudanças são ainda mais importantes, uma vez que, pela natureza de sua função moderna, é preciso que ele conheça a dinâmica de todas as outras áreas da companhia para que possa, de fato, agregar valor. Desta forma, uma visão mais holística e completa do negócio permite que ele esteja apto a identificar oportunidades de aumento de receita e diminuição de custos, garantindo a otimização da margem. O CFO atual precisa ser o segundo homem da companhia que mais entende de marketing, de operações, de produção, de vendas e das demais áreas, atrás apenas dos respectivos diretores destas especialidades. Por trás dessa visão holística que o CFO possui, há uma tendência cada vez mais consolidada de que ele também acabe acumulando a liderança de outras frentes, como, por exemplo, Compras, TI, Jurídico, Facilities e até mesmo Recursos Humanos.
Sendo a essência do CFO de hoje virtualmente diferente da essência do CFO de ontem, a área financeira, por sua vez, passa a ser cada vez mais avaliada em termos de sua eficácia (de sua capacidade de fornecer o que a empresa precisa), e não apenas em termos de sua eficiência (seu custo ao atender à empresa). Diante disso, crescem as expectativas em relação ao CFO, o que significa aumento de demanda de entendimento de todas as disciplinas de Finanças. A dedicação de tempo exclusiva ao planejamento de sucessão individual para as principais funções da organização não é mais suficiente. O CFO precisa estruturar a sua carreira de tal forma que consiga garantir o equilíbrio certo entre as habilidades técnicas, analíticas e de liderança, sendo este aprendizado potencializado pelas experiências adquiridas em diferentes subsistemas.
Dentre as principais disciplinas de Finanças, algumas delas costumam ser frequentemente mais requisitadas no background do CFO. São elas:
Financial Planning and Analysis (FP&A) / Business Support, que constrói uma visão mais ampla da estratégia da companhia por parte do Executivo de Finanças, de forma que suas projeções possam suportar a tomada de decisão e a estratégia de todas as áreas de negócio;
Contabilidade/Controladoria, que geralmente confere experiência em fundamentos técnicos básicos e garante a elaboração de Demonstrações Financeiras fidedignas;
Tesouraria, na qual o profissional consegue desenvolver suas habilidades de gestão de caixa, tanto através de transações mais operacionais quanto outras mais complexas, com foco em assegurar uma sustentabilidade financeira de longo prazo.
Outras áreas, como as de Relações com Investidores e de Governança Corporativa (Riscos, Controles Internos, Compliance e Auditoria Interna), por exemplo, não são menos importantes e também contribuem de forma valiosa para o exercício de desenvolvimento das competências de um CFO, como uma comunicação estruturada e uma visão mais voltada à identificação e ao gerenciamento de riscos.
Há benefícios também na diversificação de empresas e segmentos, haja vista que as vivências em diferentes culturas e ambientes agregam muito valor ao histórico do profissional. Passagens por segmentos diversos, com mudanças na agenda de prioridade e no cenário enfrentado pela companhia em que atua, acabam sendo positivas para a formação do Executivo de Finanças. Competências comportamentais como resiliência, adaptabilidade, capacidade de influência e liderança são adquiridas, muitas vezes, através desta alternância de realidades. Mas, cuidado: ciclos curtos demais podem comprometer o currículo, pois é preciso tempo suficiente para realmente aprender, executar e deixar um legado em cada uma delas.
Nessa esteira, é válido ressaltar que as consultorias de gestão e de projetos de transformação são sempre interessantes para a formação de um Executivo de Finanças, pois, além de possibilitar uma vivência profissional em empresas de diversos segmentos de mercado, também oferecem oportunidades para o profissional entender as organizações em âmbito estratégico, tático e operacional e participar de iniciativas abrangendo todas as áreas internas. Firmas de auditoria externa também são vistas como boas escolas formadoras de profissionais financeiros, pois consolidam o arcabouço técnico contábil que servirá como base para discussões complexas durante toda a sua carreira. Por fim, passagens pelas áreas de Tesouraria e de M&A de instituições financeiras também agregam muito valor à carreira do profissional de Finanças, uma vez que possibilitam aprofundar o conhecimento técnico em operações estruturadas, produtos bancários, valuation e confecção de contratos, além de desenvolver técnicas de negociação e estabelecer um bom networking que pode ser útil em futuros processos de captação ou de outras operações financeiras que o CFO venha a liderar.
Tal multidisciplinaridade e passagens por diversos subsistemas exigem, portanto, planejamento de carreira: conversas com o gestor, manutenção de um networking ativo dentro e fora de sua organização (apesar do profissional financeiro, por sua essência, não priorizar este tema, ele é muito importante para sustentar a evolução da sua carreira), participação em fóruns de discussão sobre temas diversos e atualização sobre as novas realidades do mercado são boas práticas para profissionais de Finanças que buscam ocupar posições executivas. A aprendizagem contínua, os programas de liderança e a reciclagem de idiomas também são indispensáveis e devem ser contempladas no plano de carreira.
Com isso, a fim de entender como os Executivos de Finanças entendem a questão da multidisciplinaridade na carreira de um profissional de Finanças, convidamos três CFOs para compartilharem suas visões e perspectivas.
Andrea Negrão
CFO - Allergan Aesthetics | Abbvie
Bruno Loyola
CFO - South Cone | Sanofi
Renato Silva
CFO - South America Cluster | Coats
Como a experiência em diferentes subsistemas de Finanças pode contribuir para a formação de um CFO?
Andrea Negrão: Como CFO, dentro do papel de advisor de negócio, torna-se premente o conhecimento dos subsistemas de Finanças que permitam não só alavancar um P&L através de ações com ganhos sólidos e consistentes em todas suas linhas – expansão de base de clientes, de plataformas de vendas, política comercial, redução de custos, otimização de despesas e pipeline de produtos – como fazer uma gestão próxima de fluxo de caixa, contingências e oportunidades fiscais. Esta visão financeira deixa de ser o retrato dos livros contábeis para dar espaço a uma gestão de indicadores dinâmicos de saúde financeira no trinômio – P&L, Balanço e Caixa. Na trajetória de um CFO, além do conhecimento técnico, é importante hoje em dia saber lidar com a cultura organizacional, adaptar a linguagem financeira ao negócio, aos clientes e aos processos.
Bruno Loyola: A posição de CFO requer que o profissional seja multipotencial, tendo que navegar entre diferentes tópicos, de Controles Internos a Tesouraria, de Impostos a Controladoria. Pela minha experiência, passar por diferentes subsistemas ajuda a formar uma base sólida, porém o grande diferencial está na leitura de riscos inerentes aos negócios e saber como antecipá-los. Por isso as experiências devem ser não somente em subsistemas como também em momentos organizacionais distintos, sejam crescimento, turnaround, crises, dentre outros.
Renato Silva: Na minha visão o desenvolvimento da carreira através de experiências nos subsistemas de Finanças proporciona ao profissional uma visão e capacidade abrangente de gerir as informações da companhia dado o conhecimento profundo da geração, interferências e impactos dessas de acordo com os subprocessos de origem. Também considero que essas experiências permitem uma exposição ampla e diversa do profissional com as demais áreas e processos da companhia em diversos níveis seja como um receptor, cliente interno ou um importante parceiro de negócios em processos de tomada de decisão.
Ao seu entender, quais são os principais subsistemas de Finanças pelos quais um profissional de Finanças que busca, no futuro, ocupar uma posição de CFO precisa passar?
Andrea Negrão: A contínua atualização do profissional financeiro que deve estar atento às mudanças do ambiente externo e interno para liderar uma integração eficiente entre a saúde financeira do negócio, a cultura da empresa e o alinhamento dos processos chave. Para isso, quanto maior a experiência de um profissional da área em outras áreas, projetos interdepartamentais, vivências corporativas e até assignments em outras funções, mais sensível se torna este radar da mudança e da urgência das tomadas de decisão e ação.
Bruno Loyola: Não acredito que exista uma combinação única e replicável de maneira ampla. Na verdade, a necessidade de um profissional irá variar de acordo com a indústria e momento organizacional. Por exemplo, para o ambiente de indústrias multinacionais as três áreas fundamentais são Controles Internos, Planejamento Econômico Financeiro e Tesouraria. Além disso, o CFO deve ter um profundo conhecimento do negócio e do mercado onde atua, e isso se constrói mantendo um diálogo aberto e contínuo com diversas áreas da organização. Em um mundo extremamente globalizado como o que vivemos, mesmo que momentos de fechamento de fronteiras possam existir, uma experiência internacional é extremamente válida e ajudará na construção da leitura de risco.
Renato Silva: Independentemente do tamanho e complexidade de uma organização e o seu setor de atuação, considero uma vivência na área de Controladoria (Contabilidade, Custos) de extrema relevância não apenas por se envolver diretamente nos processos de consolidação e geração dos demonstrativos financeiros, mas também por proporcionar oportunidade de conhecer a origem e a aplicação de praticamente todas as atividades da organização que se refletem nos números. Especificamente no caso de Contabilidade de custos em uma organização industrial, por exemplo, a experiência proporciona conhecer e entender profundamente os principais processos produtivos e operacionais da companhia. Considero essa experiência fundamental e de grande aporte ao desempenhar a função de FP&A, onde esse conhecimento é alinhado com as estratégias do negócio, o que permite que o profissional possa se destacar ao acompanhar o status financeiro da empresa de perto e colaborar nas projeções e análises.
Na sua visão, as fortalezas técnicas variam de um CFO para outro(a) de acordo com o segmentos das empresas em que desenvolveram suas carreiras?
Andrea Negrão: Na minha experiência, as fortalezas técnicas costumam ser as mesmas independente dos segmentos em que se trabalhe. Porém, as habilidades comportamentais determinam diferenciais importantes no perfil do CFO dependendo do segmento, como bens de consumo, farmacêutico ou industrial, por exemplo. Em todos os segmentos, quanto mais forte a aliança entre o CFO e o GM, maior a capacidade de co-criar alternativas estratégicas que viabilizem a rentabilidade para o negócio, através de otimização de processos, aproveitamento de talentos e foco no cliente.
Bruno Loyola: Sim, não somente a indústria, mas também o mercado e geografia em que um CFO atuam irão demandar capacidades diferentes do profissional. No meu caso pessoal, atuando como CFO na Argentina, conhecimentos de Tesouraria foram fundamentais para navegar em um ambiente de extrema volatilidade macroeconômica, constituído por constantes desvalorizações cambiais e controles de saídas de capitais. Uma boa visão de Planejamento Econômico (FP&A) também tem sido fundamental para garantir sustentabilidade ao negócio compensando os efeitos negativos de alta inflação. Além disso, um parênteses importante: por mais que as fortalezas técnicas sejam imprescindíveis, a leitura de pessoas será tão ou mais importante no momento da tomada de decisões.
Renato Silva: Considero que toda experiência multidisciplinar, independentemente do setor de atuação da companhia, agrega ao portfólio do profissional de finanças um aparato de ferramentas e habilidades que o tornam capacitado para desempenhar como CFO um papel mais estratégico. Ao assumir a função de decisor na organização, essa experiência o habilita a avaliar o cenário em que a companhia se insere como um todo.
Na sua opinião, qual é o tempo médio que um profissional de Finanças deve permanecer em um determinado cargo ou função? E qual seria o tempo mínimo?
Andrea Negrão: Gosto de falar que mais que o tempo médio em determinado cargo ou função, o profissional financeiro deveria se preocupar com os projetos significativos que pode tocar anualmente e buscar movimentos ou projetos disruptivos a cada dois anos. Se você não possui um projeto de desenvolvimento ou de negócio que mereça ser destacado numa entrevista no intervalo de até dois anos, já passou a hora de buscá-lo. Porque a velocidade do ambiente externo e do negócio exige isso.
Bruno Loyola: Não acredito que há regras neste tema, o tempo médio irá depender de fatores diversos como senioridade e projetos aos quais o profissional está sendo exposto. Obviamente no começo da carreira as mudanças podem ser mais ágeis e em posições de níveis mais sênior ter um impacto real demanda uma construção de mais longo prazo. Por exemplo, em uma posição de CFO, eu acredito que sua real entrega está por volta dos três anos.
Renato Silva: Entendo que o tempo cronológico não deveria ser sobreposto à efetividade e experiência acumulada e entregas do profissional enquanto desempenhando uma determinada função, adicionalmente aos processos padrão de fechamento contábil/financeiro, planejamento e budget anual, ciclos de forecast, auditorias internas/externas as demais experiências do profissional associadas com implementação de sistemas (ERP ou BI’s), acompanhamento e execução de M&As ou “divestitures” ou projetos de capital permitem, a meu ver, acelerar o desenvolvimento do profissional de finanças e sua abrangência de conhecimento.
A diversidade de experiências não se dá apenas pela passagem por diferentes subsistemas de finanças, mas, muitas vezes, por diferentes empresas. para um profissional de Finanças, quais são os maiores benefícios quando ele opta por ter experiência em companhias de setores, culturas, portes e realidades distintos?
Andrea Negrão: Particularmente, acredito que a experiência de mudar de função, dentro ou fora da mesma empresa agrega muito, principalmente na forma como ficamos mais experientes em aprender novos padrões, verdades e conceitos. Os julgamentos ficam mais elásticos e a visão de negócio mais holística. Já parou para pensar como um profissional de Vendas, RH, Finanças, Marketing e Fábrica descreveriam o mesmo negócio?
Bruno Loyola: Todas estas experiências irão contribuir para a construção da leitura de risco, mas também para ter uma leitura estratégica de organizações e assim poder dar o melhor suporte ao negócio, trabalhando em um ambiente de multinacional, como é o meu caso, essa construção pode ser dada também através de experiências em diversos mercados, geografias e níveis da organização.
Renato Silva: Sem dúvida considero que a amplitude de experiências e entregas do profissional em companhias de distintos tamanhos, setores e cultura o capacita para enfrentar os desafios e novas e desconhecidas experiências com uma bagagem efetiva de vivência em ambientes diversos que irão requerer medidas e comportamentos adaptáveis ao momento e escopo da experiência.