Career Insights

Por Gonzalo Strauss, Cofundador e CEO na Datanomik

 

Se você perguntar a 100 CFOs ou executivos financeiros o que é Tesouraria Corporativa e qual é o papel de um tesoureiro, provavelmente obterá 100 respostas diferentes. Surpreendentemente, o mesmo ocorre se fizermos essa pergunta aos próprios tesoureiros. Esse desalinhamento generalizado revela um problema central: se nem os principais protagonistas da área conseguem definir com clareza o que fazem, como podemos esperar que a Tesouraria tenha o espaço e o valor estratégico que merece?

Agora, se questionar esses mesmos 100 executivos sobre a importância da liquidez para suas empresas, a resposta provavelmente será quase unânime. “Liquidez é vital”, eles dirão, e muitos concluirão com a famosa expressão que ouvimos com bastante regularidade: “Cash is King”. Afinal, o caixa é o que mantém as luzes acesas, as operações rodando e, em tempos de crise, é o que permite que uma empresa respire enquanto outras se afogam.

Mas, se o caixa é rei, por que tão poucos parecem tratá-lo como tal?

Esse cenário contraditório é o que gosto de chamar de “O Paradoxo do Tesoureiro”: se o dinheiro é o rei, mas poucos o tratam como tal, será que ele realmente reina? Ou estamos apenas repetindo mantras financeiros sem nos questionar se, na prática, estamos tratando o caixa com a devida reverência?

Sentar-se no trono é uma coisa, governar é outra

Sentar-se no trono é uma coisa; saber defendê-lo e governar é algo completamente diferente. Se duvida disso, pergunte a Luís XVI, que acabou encontrando o fim de sua realeza sob a guilhotina, ou a Joffrey Baratheon, de Game of Thrones, cuja arrogância e má governança o levaram a um trágico fim.

Ambos nos ensinam que o título, por si só, não garante poder; é a habilidade de usá-lo sabiamente que determina a verdadeira força. O mesmo se aplica à Tesouraria. Muitos executivos reconhecem que a liquidez é fundamental, mas poucos compreendem que a Tesouraria pode ser muito mais do que um simples centro de controle operacional. Pode — e deve — ser um verdadeiro pilar estratégico da empresa.

Quando a Tesouraria é vista apenas como uma função burocrática, perde-se a oportunidade de transformar o caixa em um diferencial competitivo. E aí está o paradoxo: proclamamos que o caixa é rei, mas o deixamos isolado no trono, sem uma estratégia clara de defesa ou crescimento.

A miopia financeira que custou caro a muitos ‘reis’

Assim como um rei mal assessorado pode perder seu trono, uma empresa que negligencia sua Tesouraria corre o risco de perder sua capacidade de adaptação, crescimento e, em última instância, de sobrevivência. Crises econômicas, mudanças de mercado, novas regulamentações — todos esses são fatores que podem derrubar empresas que veem o dinheiro apenas como um recurso estático, algo a ser guardado. A história recente está repleta de exemplos de empresas que, por não terem uma visão estratégica sobre o uso de sua liquidez, foram pegas desprevenidas e pagaram caro.

A verdadeira força de um “rei” não está em seu título, mas em como ele usa seu poder. E a verdadeira força de uma empresa não está apenas em ter liquidez, mas em saber administrá-la de forma estratégica. O tesoureiro moderno não é um mero guardião do caixa, mas um arquiteto do futuro financeiro da empresa. É ele quem projeta, junto com o CFO, como o caixa pode ser alocado para promover crescimento, criar resiliência em tempos de crise e, principalmente, garantir que a empresa esteja preparada para os desafios do amanhã.

Transformar a tesouraria: de operacional para estratégico

Transformar a Tesouraria em um centro estratégico e não apenas operacional requer uma mudança profunda de mentalidade. Requer enxergar o dinheiro não como um fim em si mesmo, mas como uma ferramenta — uma alavanca — para atingir objetivos maiores.

Essa transformação começa por reconhecer que o papel do tesoureiro vai muito além do controle de pagamentos e recebimentos. O tesoureiro moderno é um estrategista, um parceiro dos demais executivos na criação de valor para a empresa.

Para muitos, isso parece um sonho distante. Afinal, por que transformar uma função que “funciona bem” operacionalmente em algo mais complexo? Mas é justamente essa mentalidade que impede muitas empresas de alcançar seu verdadeiro potencial. Tesouraria estratégica não é sobre complexidade, é sobre clareza e visão.

É entender, por exemplo, que cada real disponível em caixa tem um custo e um potencial de retorno, dependendo de como é utilizado. É transformar discussões sobre fluxo de caixa em diálogos sobre crescimento, investimento e resiliência.

O verdadeiro papel do tesoureiro

O tesoureiro não é apenas aquele que garante que haja dinheiro para pagar as contas. É aquele que ajuda a garantir que a empresa tenha os recursos certos, na hora certa, para se posicionar de forma competitiva no mercado. É aquele que questiona: como podemos alocar nosso caixa para maximizar retornos, mitigar riscos e, ao mesmo tempo, apoiar a estratégia de longo prazo da empresa?

Essa abordagem exige uma tesouraria ativa, conectada ao planejamento estratégico e pronta para agir rapidamente quando surgem oportunidades. Em tempos de incerteza, é o tesoureiro que deve ser o guardião da resiliência financeira da empresa, garantindo não apenas que as operações continuem, mas que a empresa esteja pronta para aproveitar as oportunidades que crises inevitavelmente geram.

Além disso, o tesoureiro, em muitas ocasiões, é — e realmente deve ser — o expositor da vitrine do negócio frente a credores, sócios, mercado de capitais, instituições financeiras tradicionais e tantos outros novos agentes que surgem com cada vez mais frequência, compondo o amplo ecossistema financeiro que navegamos diariamente.

Traduzir a esses agentes as fortalezas e fraquezas do negócio, de modo a preservar os interesses da empresa e respeitando as boas práticas éticas do mercado, é também função desse profissional. Para isso, o tesoureiro precisa ser ouvido como um conselheiro real, e não tratado como um burocrata que apenas “cuida dos números” e dos pagamentos e recebimentos da empresa.

A responsabilidade também é sua 

Estamos diante de um momento de ruptura. As empresas que desejam prosperar no futuro são aquelas que entenderão que a Tesouraria não é apenas uma função, mas uma vantagem competitiva. Se o caixa realmente é o rei, ele precisa ser tratado como tal — e isso começa pela valorização da Tesouraria como o centro nervoso da estratégia financeira.

É hora de refletir: você está tratando o caixa como um rei, de fato? Está assumindo a responsabilidade de transformar a Tesouraria em um pilar estratégico? Ou está apenas mantendo o “rei” no trono, sem prepará-lo para as batalhas inevitáveis?

A diferença entre essas duas abordagens pode ser a linha tênue entre empresas que meramente sobrevivem e aquelas que prosperam.

Gonzalo Strauss

Cofundador e CEO | Datanomik