O cinema e a literatura são profícuos em produzir efeitos colaterais catastróficos para a revolução tecnológica em curso. Dentre as profecias mais comuns nas obras de ficção está a total obsolescência do ser humano diante da automação de tudo. Mas, como diz a sabedoria popular, a verdade está, quase sempre, no meio do caminho entre as teorias mais otimistas e as catastróficas.
Diante desse cenário, na área financeira das empresas, o que se espera é que algumas funções historicamente desempenhadas pelos profissionais de Finanças, inclusive pelo líder, sejam, de fato, automatizadas por completo. Essa realidade não colocaria o CFO no papel de observador da história, mas o contrário. É de se esperar, com isso, que o executivo de Finanças ganhe protagonismo ao ser mais estratégico para o negócio e opere as novas tecnologias de forma que as máquinas trabalhem pelas organizações com eficiência nunca vista antes.
Ainda assim, há desafios importantes que podem ser derradeiros para o futuro dos profissionais financeiros dentro do mundo corporativo. Vice-Presidente Administrativo Financeiro da Viveo, Frederico Oldani diz que o primeiro desafio enfrentado é o controle de custo para a inserção das novas tecnologias nas companhias. Ele avalia que os primeiros investimentos iniciais podem ser substanciais “até que a infraestrutura da empresa esteja apta a entregar os benefícios da transformação tecnológica”.
Além disso, os riscos e custos associados à segurança de informação também devem pesar sobre a área de Finanças das grandes empresas, desafio que também deverá ser manejado pelo CFO em parceria com outras áreas, como Compliance e TI. A perspectiva é que a responsabilidade do CFO sobre a segurança da informação aumente, devido ao avanço exponencial da possibilidade de lucro por meio do uso de dados.
Adriana Nunez, CFO da Yara Brasil, diz que o mercado continuará confiando no CFO e na área financeira como garantias para que os sistemas de registros e informações fluam com precisão e consistência. Por isso, ela concorda que, além das dificuldades relacionadas à escolha das soluções tecnológicas mais eficientes, é preciso também se debruçar sobre o aspecto da segurança da informação. A executiva avalia que “com tantas ferramentas diferentes interagindo em toda a organização, é um verdadeiro desafio proteger a integridade dos dados e garantir que as transações sejam conduzidas e registradas da maneira pretendida”.
Para Luiz Garcia, CFO da construtora Tenda, outro desafio importante para o CFO diante da transformação tecnológica está relacionado a extrair o máximo dos recursos disponíveis. Afinal, a tecnologia não é um fim em si, mas o caminho para o ganho de eficiência. Para ele, “são tantas ferramentas, que o principal desafio hoje está em maximizar seus potenciais”.
Além disso, Garcia afirma que “ponderação na escolha das soluções tecnológicas é a palavra-chave” e alerta que a vasta disponibilidade de novas tecnologias “pode gerar mais distração do que eficácia”. Portanto, o executivo precisa entender suas prioridades e o que exigir das novas ferramentas “para não se distrair com soluções pouco relevantes ou inúteis para o seu negócio”.
O papel do CFO
Ao longo da transformação tecnológica em curso, as principais responsabilidades do CFO seguramente permanecerão, avalia Adriana, da Yara, já que os principais stakeholders continuarão a confiar nos executivos de Finanças para incorporar insights financeiros na estratégia e nas negociações e garantir a criação de valor em seus modelos de negócios. Com isso, cada vez mais, os executivos de Finanças precisarão incorporar habilidades e conhecimentos de dados para se tornarem mais eficazes e entenderem como os diferentes recursos tecnológicos interagem com a função financeira.
O surgimento de ferramentas como RPA, IA e outras tecnologias continuarão mudando a forma como as informações financeiras são fornecidas em movimento semelhante ao que aconteceu quando os primeiros sistemas ERP entraram na realidade empresarial. A executiva da Yara entende que “eles foram divisores de águas para o papel do CFO, e nenhum profissional de Finanças pode atuar hoje sem um entendimento claro sobre esses sistemas” e que isso também é válido para as novas tecnologias.
Para Oldani, da Viveo, o papel do CFO vai ser ainda mais importante diante das mudanças tecnológicas em vista, sobretudo porque as ferramentas disponíveis vão oferecer maiores possibilidades de mensuração do desempenho do negócio. Segundo o executivo, “a combinação de big data com soluções de business analytics trazem inúmeras possibilidades de melhorar, de modo considerável, o monitoramento dos principais indicadores do negócio e, por consequência, a tomada de decisão”.
Por outro lado, o CFO terá também que avaliar com cuidado a adoção de novos recursos tecnológicos, tanto pelo alto custo de transição quanto pelo seu real benefício. Oldani alerta que as “novas tecnologias aparecem quase que diariamente, mas poucas geram avanços significativos de modo efetivo”. Para ele, “avaliar investimentos em novas tecnologias tem sido um grande desafio para os CFOs, em especial porque muitos dos impactos acabam sendo incertos e exigem períodos de aprendizado e experimentação antes de uma adoção em maior escala”.
Extinção de atividades?
Oldani, da Viveo, não crê em uma eliminação em larga escala de posições dentro da área de Finanças por conta da inserção de novas ferramentas. Ele enxerga uma melhora substancial da produtividade nas atividades que já são desenvolvidas hoje e avalia que “o mais provável é que o profissional que não consiga se adaptar e evoluir na sua forma de trabalhar com base nas novas tecnologias acabe ficando obsoleto”.
Na opinião do executivo, funções mais operacionais continuarão sendo automatizadas, enquanto haverá o crescimento da demanda por profissionais mais analíticos, com conhecimento especializado em Ciência de Dados. Com isso, o executivo de Finanças terá, como uma de suas principais atribuições, a tarefa de direcionar a evolução do time para novas funcionalidades. Para Oldani, o principal papel do CFO diante dos desafios impostos pela transformação tecnológica será “preparar o time para que os profissionais se adaptem às novas funções”.
No atual contexto, tarefas que antes consumiam grande parte do tempo do CFO, como conciliações de contas, verificações de dados e conformidade, fluxo e arquivamento de documentos, pagamentos, financiamentos e faturamento serão progressivamente automatizadas. Por isso, mudanças profundas na atividade do CFO e de sua equipe não são mais uma questão de “se” nem “quando”, mas de em que velocidade devem ocorrer e sobre quais atividades.
Adriana, da Yara, não vê funções específicas dentro de Finanças desaparecerem completamente diante da transformação tecnológica, embora muitos aspectos de gestão de caixa do negócio (como cobranças, pagamento e investimento) possam ser automatizados ou redesenhados com IA. Ela acredita que “a maioria dos profissionais de Finanças ambiciona transformar suas próprias funções de meros custodiantes de transações para contribuidores-chave, de coletores de dados/relatórios a provedores de insights e parceiros de negócios”.
Mesmo diante da revolução vigente, a necessidade de um especialista em Finanças/Tesouraria permanecerá para gerenciar os aspectos mais complexos de negociações ou avaliação de cenários. Para Adriana, “o mesmo acontece no caso da análise preditiva ou outras ferramentas de inteligência de dados que possam vir a suportar os times de planejamento financeiro e estratégico”.