Career Insights

“Simplicidade: uma transformação que começa por nós, líderes.”

Por Arthur Azevedo

O que você faz ‘grita tão alto’ que não consigo ouvir o que você diz.

(Ralph Waldo Emerson – Escritor, Poeta e Palestrante americano – 1803-1882)

Em nossas organizações, falamos muito sobre: simplicidade, como é necessário tornar nossos processos mais simples, como precisamos reduzir o número de reuniões e a quantidade de e-mails que fazem nossa caixa de entrada “explodir”, reduzir a complexidade do portfólio de produtos e por aí vai. Contudo não sei quanto a vocês, mas, olhando para trás, depois de 35 anos de estrada, preciso confessar que é frustrante o resultado obtido no avanço concreto na direção da simplificação. A parte tragicômica é que, aparentemente, os concorrentes tiveram a mesma dificuldade. Caso contrário, estaríamos fora do negócio. O que nos leva a uma reflexão ainda mais profunda: não é um problema de uma empresa ou um de segmento econômico. Se fosse, seria fácil consertar. É uma questão de valor e, consequentemente, de comportamento humano. Agora, a coisa começa a ficar interessante. Antes de levar o conceito de Simplicidade para a empresa, é preciso entender o que ela significa para nós mesmos e quão fundamental ela nos é como valor.

Para medir a genuína adoção de um valor de vida, o teste fundamental é olhar nossas agendas e nossos extratos bancários. Em outras palavras, onde alocamos o nosso tempo – nosso bem mais precioso – e nosso dinheiro. Isso diz muito sobre o que valorizamos. Isso vale também em nossas organizações, mas com um complicador: a “organização” não existe, não é um cartão de CNPJ, um estatuto social ou um edifício. Uma organização é um amálgama de múltiplas personalidades, com valores e histórias de vida totalmente diversas, reunidas – desejavelmente – com um propósito. Mas como criar uma cultura única? Como adotar valores comuns que se conectem, emocionalmente, com cada pessoa? É complexo, mas, se considerarmos que várias pedrinhas coloridas, minúsculas e, individualmente, insignificantes deram origem aos mosaicos da fachada do santuário nacional, em Aparecida, podemos acreditar que pode ser feito.

Que a simplicidade é boa para a empresa, para os clientes, os funcionários e o negócio como um todo, ninguém disputa. Não vou “chover no molhado” aqui. A questão é: por que é tão difícil implementar? Eu me lembro de várias situações, mas algumas são emblemáticas: 

•  Era CFO de uma empresa de manufatura de componentes, que tinha mais de 2000 SKUs e, como sempre, a concentração das vendas obedecia à implacável lógica de Pareto. Como sabem, mais SKUs implica mais peças a serem compradas, mais volume de estoque e mais capital de giro, maior custo de obsolescência, perdas com inservíveis, custos de set-up. Ou seja, a necessidade de simplificação era indiscutível. Uma equipe multifuncional foi montada para trabalhar nisso, com reporte para a diretoria e uma meta ousada. Bom, o fato é que o resultado foi muito aquém do esperado. À medida que se entrava nas especificidades, nossa capacidade de justificar o status quo superava, em muito, a nossa vontade e nossa determinação em reduzir a complexidade da operação. Na realidade, a simplicidade não estava em nós como um valor. O que era forte e profundo era o orgulho intelectual e tecnológico, que se materializava num portfólio vasto e complexo. Ficamos no mesmo lugar.

•  Em outra situação, atuava como Diretor Global de FP&A, em uma multinacional estrangeira. Ali, o famigerado reporte mensal havia tomado uma proporção descomunal. Muitas vezes, produzíamos apresentações de Powerpoint com mais de 120 páginas, muitos back-ups, porém, durante a reunião, usávamos, de fato, no máximo, 10 slides. Ou seja, eram 110 slides inúteis, que envolviam muita gente para serem feitos e simplesmente arquivados. Eu tive a experiência única de vivenciar este processo do ponto de vista da região que reporta bem como do centro corporativo, que recebe o reporte. Como alguém que veio de uma região, tinha uma meta pessoal de simplificar este processo, e sofri anos com ele. A ideia era definir um novo template com a participação de todos e padronizar o essencial. A missão foi cumprida e, do ponto de vista da Corporação, estavam definidos os slides necessários. Mas, surpreendentemente, no dia a dia, as regiões, cada uma de seu jeito, rejeitavam o modelo e acrescentavam back-ups e análises adicionais para “contar a história do seu jeito”. Ou seja, depois de um tempo, estávamos de volta ao ponto de origem. Neste caso, apesar de todos clamarem por simplicidade, o valor realmente importante era a independência e a customização da mensagem pela região.

Voltamos ao mesmo ponto: simplicidade é importante para você como valor? Se não for, não perca seu tempo buscando enfiar goela abaixo da organização, pois você não sustentará, e todos enxergarão. Assim, cairemos no que diz a célebre frase de R. W. Emerson, descrita anteriormente: “O que você faz ‘grita tão alto’ que não consigo ouvir o que você diz”. Mas, se é, verdadeiramente, importante, se é um valor que você pratica em sua vida pessoal, ou busca praticar com determinação, siga e encontrará muitos aliados. Afinal, verão em você alguém que pratica, de fato, o walk the talk, e isso faz muita diferença. 

Olhando para dentro de nós mesmos, na maior parte das vezes, encontraremos três fatores que nos afastam da simplicidade. Como me disse uma vez um amigo israelense, companheiro na ultramaratona Racing the Planet, na Namíbia: “Change your mind, change your life” (Mude sua mente, mude sua vida). Eu acrescentaria “and the world around you will change.” (e o mundo ao seu redor mudará).  Estes três fatores são:

Perfeccionismo 

•  Não precisa responder em voz alta, mas quantas vezes você recebeu uma solicitação de seu(sua) líder, por WhatsApp, pedindo um número. Algo do tipo: “qual o valor do nosso Patrimônio Líquido”. Em vez de responder “X”, pelo próprio WhatsApp, você montou uma planilha comparando os últimos três anos, colocando índices de endividamento e cobertura da despesa financeira, tudo isso num formato sofisticado com gráficos. Óbvio, esta informação é muito mais completa, linda e interessante, mas ficou pronta na primeira hora do dia seguinte. Agora, suponhamos que ele(a) estivesse, naquele momento, em uma reunião com bancos, iniciando uma conversa sobre extensão de linha de crédito da empresa e precisava responder a uma pergunta do banqueiro. A super planilha legal foi complexa e intempestiva e, consequentemente, inútil. Bastava um número e teria sido bom o suficiente. 

•  É um exemplo simples da aplicação do que Carolyn Taylor, em seu podcast Walking Your Talk no Spotfy, chama de Fit for Purpose (Dimensionado para o Propósito). Eu cometi este erro várias vezes e tenho certeza de que você já viveu situações semelhantes, de um lado ou do outro do smartphone.

 

Medo de decidir

•  Este é clássico nas empresas, especialmente em multinacionais e empresas estatais, onde a penalidade e a crítica decorrentes da consequência indesejável de uma decisão tomada incentivam a “não- decisão”. O que, vamos combinar, é uma falácia.

•  É a famosa “paralisia por análise”. Muito antiga a descrição desta situação: na fábula “A Raposa e o Gato”, anterior a Esopo, a Raposa se vangloriava por conhecer centenas de maneiras de escapar do perigo, enquanto o Gato só conhecia uma. Diante da aproximação rápida dos cães, o Gato, rapidamente, subiu na árvore, enquanto a Raposa ficou perdida sobre qual estratégia usar e foi pega pelos cães.

•  Muitos líderes não têm a coragem para tomar decisões com base em informações incompletas e iniciam um processo de procrastinação “velado”. O problema é que nunca se têm todas as informações. Aliás, quando digo “velado”, entre aspas, é porque ninguém assume que não quer tomar a decisão. A questão é sempre uma análise faltante que a equipe não entregou. Aliás, a culpa do atraso é imputada ao time. E assim vai, análise sobre análise sobre análise. O tempo passa, o time é sobrecarregado com trabalhos desnecessários e, aquilo que poderia ser simples, se torna complexo. Sei que a descrição apresentada parece extraída de uma tira do Dilbert, mas presenciei, muitas vezes, em minha vida, em diferentes companhias, no Brasil e no exterior.

 

Crença de que “mais” é desejável ao “menos”

•  Pensem nesta provocação: no processo de definição de CAPEX para o ano seguinte, se você pudesse adivinhar – sem ter acesso aos números – se o número e o valor de projetos são maiores ou menores que do ano corrente, o que você diria? A minha experiência é que era sempre maior. E muito. E, quando descíamos ao detalhe com o time, a conclusão mostrava que era sempre inexequível. Ou seja, mesmo se tivéssemos o dinheiro para investir, não haveria engenheiros, horas de laboratório e demais aspectos de infraestrutura para executar. Então, começamos aquele processo exaustivo para priorizar e fazer o “desejo caber na realidade” e entramos numa das coisas mais frustrantes do mundo corporativo. Já vivi jornadas de três ou quatro reuniões com duração de meio dia para não sair do lugar. Cada um tentando expandir seu “reino” e se tornar mais importante. No final, define-se uma meta e segue o ano na esperança de que o problema se resolva sozinho. De novo, perda de tempo, recurso e desgaste desnecessários e complexidade para se administrar durante todo o ano.

 

Conseguimos atuar sobre todas as coisas que estão sob o nosso controle. As áreas apresentadas são apenas exemplos, mas, certamente, você consegue ver situações em sua vida, seja em casa seja no trabalho. Em minhas ultramaratonas em deserto, sempre luto contra o peso da mochila. Nunca consigo baixar dos 12Kg na mochila, enquanto outros participantes levam 6Kg e passam na mesma inspeção dos equipamentos obrigatórios. 

Este é o exercício diário que leva à simplicidade: questionar cada item, cada atitude, cada trabalho, cada demanda, cada relatório, cada aprovação, cada processo, cada item na mochila. Preciso de tudo mesmo? Não espere um programa corporativo, vamos tirar este peso excessivo das nossas costas e daqueles que estão próximos. Não faz sentido. Com toda a tecnologia que temos hoje, nossa vida fica mais complexa, mais tensa, e temos menos tempo para nós mesmos. Há algo que nos impede de progredir na direção da Simplicidade: nós mesmos. Comece, hoje, por você mesmo. Afinal, como disse Mark Twain: “O segredo de se colocar à frente, é se colocar em movimento”.

Um abraço e até a próxima!

Arthur Azevedo

Arthur Azevedo tem 34 anos de experiência na área de Finanças, tendo ocupado posições de liderança e gestão de pessoas nos últimos 27 e atuado como CFO por 11 anos. Trabalhou em várias localidades, incluindo Brasil, Estados Unidos e Europa. Atuou como CFO Global da Embraco, CFO Latam da Whirlpool Corporation e CFO Brasil da Transpetro, Cacau Show, Brasil Brokers e Tecumseh. É formado em Administração de Empresas pela Fundação Mineira de Educação e Cultura, com MBA pela Business School São Paulo com certificado como conselheiro pelo INSEAD (França e Singapura) e IBGC. É fundador da Arthur Azevedo Consultoria de Gestão & Mentoria. É casado, pai de dois filhos e apaixonado por corridas de rua.