“Vaidade de vaidades, diz o pregador: vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, com que se fadiga debaixo do sol? Uma geração vai-se, e outra geração vem, mas a terra permanece para sempre. O sol nasce, e o sol se põe, e corre de volta ao seu lugar donde nasce”.
(Livro de Eclesiastes, atribuído a Salomão, Rei de Israel)
Ontem foi um dia significativo para mim. O evento que relatarei pode parecer simples e trivial para quem não está, emocionalmente, envolvido. Mas, além de trazer uma carga de sentimentos, levou-me a reflexões sobre o porquê a gente faz o que faz. E, tão importante quanto, para quem.
Pois bem, meu primeiro filho, de 17 anos, embarca sozinho rumo a Singapura. Visitará um amigo que se mudou para lá e com quem sempre manteve contato via WhatsApp, jogos on-line e todas as demais formas de comunicação que esta turma tão interessante mantém hoje. As preparações desta viagem estão acontecendo há meses e, obviamente, se intensificaram nos últimos dias com todos os detalhes. Eu sempre olhei para ele como o meu little lion. Para quem assistiu ao Rei Leão, talvez se lembre da passagem em que Timon e Pumba encontram Simba desacordado no deserto. Pumba, sempre alegre, acha ele tão lindo e pergunta a Timon: “Podemos ficar com ele?” Ao que Timon responde: “Mas ele é um leão”. Pumba, não satisfeito, retruca: “Sim, mas é um leão pequenininho!” Pois é, o little lion!
Eu paro para pensar e tenho dificuldade em entender quando foi que o tempo passou, sem pedir a minha permissão. Afinal de contas, como o tempo passa sem que o CFO aprove? Talvez eu pensasse que os dias na China, em Singapura, na Tailândia,nos Estados Unidos, na Europa ou os períodos em que morei em outras cidades, tudo movido pelo trabalho, seriam acrescidos ao tempo regulamentar, como vemos hoje nos jogos da Copa do Mundo. E não foram! E o meu little lion cresceu. Antes, lutava boxe com ele e o mantinha afastado, usando o meu jab com envergadura maior. Hoje, ele se esquiva com uma facilidade incrível, aproxima-se com uma rapidez ainda maior e bate com uma força que já me derrubou algumas vezes. Agora, é ele quem pega leve comigo. Antes, eu reduzia o ritmo da corrida para que ele acompanhasse. Hoje, despacho-o na frente, e ele volta para me encontrar no caminho.
Como pais, nunca sabemos se estamos fazendo a coisa certa. Em um livro do Ultramaratonista Dean Karnazes, ele diz que “na escola, aprendemos a lição e fazemos o teste. Na parentalidade, fazemos o teste e aprendemos a lição”!
Meu little lion cresceu. O que eu e minha esposa fizemos de certo e de errado como pais, está feito e já formou o caráter dele. Daqui para frente, ele nos terá sempre com ele como mentores, amigos, enfim, como ele precisar. Ainda temos influência, e muitas instruções entrarão na mente dele, mas, hoje, já não somos mais a fonte de maior exposição e concorremos com uma enxurrada de informações que ele recebe. O caráter formado nos anos até aqui será seu guia para julgar e definir as decisões dele.
Aonde quero ir com tudo isso? Nós, como executivos, de qualquer gênero, somos levados a trabalhar tão avidamente nos “planos de 100 dias”, “Planos de Desenvolvimento Individual”, legados que deixaremos quando passarmos a posição: novos sistemas, equipes renovadas, sucessores formados, resultados para os acionistas, turnaround, relacionamento com corporate e tantas outras coisas. Essas coisas são importantes também. Não me interprete mal, porém, às vezes – somente às vezes, com certo sarcasmo aqui – esquecemos de olhar para dentro de casa. Testemunhei muitas situações de altos executivos, muito bem-sucedidos, mas com famílias e filhos e filhas destroçados. Veja o nobre exemplo do imperador romano Marco Aurélio, considerado pela história com um dos cinco “bons imperadores” em praticamente 500 anos de império romano. Brilhante imperador, filósofo estoico cujas obras sobrevivem até hoje, e deixou Cômodo, um filho inapto e imoral, que fez uma péssima gestão e foi morto por Narciso, aos 31 anos de idade.
É isso mesmo? É para isso que viemos aqui? Formulamos objetivos, metas, propósitos tão altruístas, nobres, relevantes e esquecemos daqueles que realmente importam. Ouço nos treinamentos corporativos frases do tipo: “o que faz acordar de manhã é …” Na realidade, deveria ser: “o que me faz acordar de manhã é tomar café com a minha esposa, arrumar uma banana com Nutella para meu filho mais novo, levar o mais velho na escola, ainda que sem dar nenhuma palavra, rodar mais de 150km para ver o Santos jogar na Vila Belmiro com o mais velho e por aí vai”.
Por favor, entenda o contexto da minha fala. Estou pintando com cores fortes aqui apenas para fazer o ponto. Sabemos que o equilíbrio é sempre a melhor resposta, em que buscamos a conciliação das necessidades do trabalho, da empresa, com as nossas pessoais. Afinal, um dia acordaremos e o tempo terá passado. Quem é da turma dos 50+, como eu, sabe. Quem não é, saberá no futuro. Então, peço que considere o que estou dizendo.
Hoje, de maneira consolidada, saímos da economia do shareholder e estamos na economia dos stakeholders. Por analogia, meu convite, para seu próprio benefício, é incluir sua família, sua saúde física, financeira e mental na sua lista de stakeholders. Não os deixem de fora, pois, depois de tudo dito e feito, quem estará com você serão eles. E somente eles!
Se peguei pesado, peço desculpas, mas precisamos focar nisso, e só nós podemos direcionar nossa vida nesse sentido. Foco no trabalho e na carreira é importante, porém precisam estar alinhados com o tempo – quantidade e qualidade – com a família, com o seu bem-estar. Algum sacrifício temporário pode acontecer, mas deve ser consensado e com data de validade.
Sêneca, filósofo estoico, dizia que “A vida é bastante longa, e é dada em medida suficiente para fazermos grandes coisas se a aproveitarmos bem”.
Que em 2023 e em todos os demais anos, usemos bem o nosso tempo e façamos cada dia contar!
Abraços e até a próxima!