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A diversidade LGBTQIA+ torna-se gradualmente um assunto cada vez mais discutido em sociedade, o que acaba por estimular a busca por uma maior representatividade deste grupo em diversos âmbitos, inclusive profissional. Entretanto, grande parte das organizações no Brasil apresenta uma realidade ainda muito distante da ideal, sendo que, de acordo com a pesquisa da Organização Não Governamental americana OutNow, entre 11 países analisados, o Brasil lidera o ranking e é o que mais apresenta casos de homofobia no ambiente de trabalho. E a realidade na área de Finanças não é muito diferente.

Muitos profissionais LGBTQIA+ acreditam que, ao se assumirem dentro das companhias, podem acabar prejudicando as suas carreiras, haja vista o preconceito e os estereótipos direcionados a Executivos deste grupo e que, consequentemente, podem dificultar a ascensão profissional e a promoção a cargos mais altos. Forma-se, então, um ciclo vicioso, pois a ausência de líderes LGBTQIA+ dentro das companhias acarreta uma falta de representatividade para o grupo como um todo, gerando insegurança e dúvidas entre os profissionais desta minoria se sua orientação sexual ou identidade de gênero são empecilhos para o seu crescimento internamente.

No entanto, tal questão deveria surtir efeitos completamente opostos, visto que, ao se sentir confortável para ser e expor quem realmente é, o Executivo financeiro demonstra um rendimento muito melhor nas rotinas do trabalho e no atingimento das metas. Ainda em relação à pesquisa da ONG OutNow, entre os LGBTQIA+ declarados, 75% afirmam ser produtivos no trabalho, enquanto, entre os que não se declararam, este número cai para 46%. Dentro desse contexto, não se trata somente de assumir a identidade, mas principalmente de se sentir à vontade e acolhido para isso, o que envolve, por sua vez, um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso. A fim de promover tal ambiente, é indispensável que a organização ministre treinamentos e palestras sobre o tema para os colaboradores, organize grupos de discussão e garanta um sistema de ouvidoria eficiente, bem como prepare líderes que incentivem os demais profissionais da empresa a desenvolverem valores atrelados aos da diversidade. Ademais, quanto mais diversificadas forem as equipes de trabalho, maior será a variedade de pensamentos e perspectivas a respeito de um determinado assunto, o que contribui para tomadas de decisões mais eficazes e, por conseguinte, resultados cerca de 21% maiores para as companhias, segundo pesquisa da consultoria McKinsey. Trata-se, portanto, da combinação entre resultado e inclusão, capaz de incrementar a eficiência no ambiente de trabalho e dar liberdade para os profissionais serem quem realmente são, de forma que eles desejem permanecer na empresa por se identificarem com a cultura e se sentirem respeitados.

Com isso, para compreender melhor a importância da diversidade LGBTQIA+ na área financeira, os desafios que estes Executivos enfrentam e o papel das companhias no alcance desta diversidade, convidamos três profissionais de Finanças para compartilharem suas perspectivas e vivências em relação ao tema.

Ana Albuquerque

Controller | SELFIT Academias

Felipe Chanes

Controller | PRAVALER

Glaucia Piccolo

CFO | Microsoft

De modo geral, quais são os principais benefícios que a área de Finanças pode obter ao adotar a diversidade LGBTQIA+ como um de seus principais pilares?

Ana Albuquerque:  Estamos nos tempos da inovação, e eu acredito na diversidade de pensamentos para alcançar os resultados mais diversos e arrojados possíveis. Cada pessoa é formada não só pelos estudos, mas também por uma bagagem de vida, de modo que, quando unimos pessoas diferentes, temos contribuições e possibilidades diferentes. Esses seriam os principais benefícios de adotar todos os tipos de diversidade como um pilar.

Felipe Chanes: Acredito que o maior benefício é permitir a identificação dos demais profissionais da área, facilitando o processo de aceitação e demonstrando que este aspecto da sua vida não interfere no desenvolvimento ou crescimento profissional. Além disso, trazer o tema à mesa viabiliza a discussão no ambiente de trabalho e favorece a quebra de preconceitos que podem, além de limitar a ascensão profissional de pessoas LGBTQIA+, provocar traumas que demoram a passar. Criar um ambiente de trabalho seguro para todos os Executivos que estão dia a dia com você deve ser uma prioridade, uma vez que estas pessoas passam uma parte relevante do seu tempo convivendo neste ambiente. Por que não olhar para as diferenças de cada um e transformar o trabalho em um lugar bom para todos se desenvolverem e contribuírem para o crescimento do negócio?

Glaucia Piccolo: A Área Financeira veio se transformando ao longo do tempo, saindo de um perfil estritamente operacional para uma posição estratégica e de business partnership. Temos clientes internos e externos e precisamos garantir que conseguiremos atender as suas demandas da melhor maneira possível e, para isso, nada melhor que refletirmos em nossos times a diversidade de nossos clientes, garantindo que estamos considerando em nossas entregas os mais diferentes pontos de vista sobre o mesmo tópico.

Os benefícios de adotar a diversidade, seja LGBTQIA+ ou todas as outras que tanto buscamos, vão muito além de equidade social e respeito – adotando as diversidades em nosso time, garantimos que estamos considerando os temas de todos os ângulos possíveis, sob as mais diferentes óticas/perspectivas e, com isso, asseguramos os melhores e mais efetivos resultados.

Você já sofreu qualquer tipo de preconceito ou presenciou atitudes homofóbicas com profissionais LGBTQIA+ no ambiente de trabalho? Se sim, alguma providência foi tomada?

Ana Albuquerque:  Já presenciei atitudes homofóbicas colocadas de maneira muito sutil e que, por isso, não tiveram nenhum tratamento – desde associações de certos comportamentos a pessoas LGBTQIA+ por serem sensíveis demais ou extrovertidas demais, ou comentários como “você nem parece que é casada com uma mulher”. No geral, as pessoas ainda não compreendem como essas atitudes, mesmo que aparentemente inofensivas, são, sim, homofóbicas.

Felipe Chanes: Sofri e presenciei diversos tipos de preconceito no decorrer da minha carreira, principalmente quando ainda não me sentia em um ambiente seguro para assumir quem sou. Nenhuma atitude ou postura era tomada pela empresa, tanto por medo dos profissionais de denunciar tais abusos ou receio de outros de se posicionarem e ficarem taxados como pertencentes a este grupo. Depois de um tempo, percebi que podia fazer algo para melhorar a minha qualidade de vida e dos que estavam na mesma situação que eu e, assim, me assumi. A palavra “assumir” me incomoda um pouco, pois ela é imposta às pessoas LGBTQIA+ como uma obrigação, mas enxergo como uma etapa necessária para ganhar respeito no ambiente de trabalho. Hoje, atuo sempre para fortalecer os que estão neste processo e tenho como princípio não tolerar nenhuma atitude que vai contra qualquer pessoa, seja ela LGBTQIA+ ou de qualquer outro grupo normalmente discriminado pela sociedade.

Glaucia Piccolo: Costumo dizer que tive o privilégio de trabalhar em empresas que reconhecem a importância da diversidade e tem por princípio/valor o respeito às mais diferentes diversidades, o que significa que felizmente ao longo de minha carreira não presenciei qualquer situação com atitudes homofóbicas. Mas caso isso aconteça algum dia, serei a primeira a tomar as devidas providências e garantir que a situação seja endereçada de maneira apropriada.

Tendo em vista a difícil ascensão de profissionais LGBTQIA+ a posições Executivas na área financeira, como eles podem e devem lidar com as dificuldades na rotina de trabalho a fim de construírem perspectivas de carreira a longo prazo?

Ana Albuquerque: Eu diria para que eles não se limitem com base nos comportamentos de outras pessoas, não acreditem que existe nenhuma limitação por serem LGBTQIA+, não se sintam inferiores nem se escodam por isso. Alguns não vão entender, outros não vão dar oportunidade, mas nunca deixem de se capacitar e mostrar seu potencial pelas limitações impostas por quem ainda não quer abrir “a cabeça” para a diversidade. Em algum momento, você será reconhecido em um lugar que te valoriza.

Felipe Chanes: Sempre acredito no diálogo e exposição do tema no ambiente de trabalho. A falta de referências LGBTQIA+ em cargos de liderança em Finanças dificulta que outros profissionais se identifiquem com a área, de modo que cabe a nós tomar atitudes para mudar este cenário. Vagas afirmativas podem criar diversas polêmicas, mas enxergo como balizadores inorgânicos das faltas de oportunidades que diversos públicos têm no acesso a determinadas vagas. Edificando pequenas atitudes frequentemente, com o tempo podemos construir algo incrível para gerações que estão bem próximas.

Glaucia Piccolo: Considerando a evolução na maneira como as empresas abordam o tema de Diversidade e Inclusão e todos as mudanças em processos para que tenhamos todas as diversidades inclusas de maneira transparente no dia a dia nas companhias, minha sugestão aos profissionais LGBTQIA+ é serem transparentes e demonstrarem abertamente não somente como gostariam de ser reconhecidos (a grande maioria das empresas e até redes sociais permitem que o funcionário/usuário escolha o pronome que melhor define sua identidade de gênero), mas também quais são seus objetivos de carreira e ascensão profissional.

Dificuldades na rotina de trabalho poderão aparecer, porém não são essas dificuldades que ditarão a competência do profissional LGBTQIA+ ou limitarão suas perspectivas de carreira. As empresas disponibilizam recursos para que essas e outras dificuldades do dia a dia sejam superadas e precisamos utilizá-las de maneira efetiva e eficiente – apoie-se em seu Manager, nos grupos internos de diversidade, em seus sponsors, aliados, colegas de trabalho e não se deixe abater.

Todos nós já enfrentamos ou enfrentaremos muitas dificuldades em nosso dia a dia profissional (quem nunca?!)  e somos os senhores(as) dos nossos destinos. Cabe a nós lutarmos pelo que aspiramos e contornarmos as dificuldades que eventualmente aparecerem, apoiados nos recursos que nos são disponibilizados e em nossa força de vontade – independente do nosso sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual.

Na sua opinião, qual é o papel das companhias e quais ações elas devem promover para superar os obstáculos em prol da diversidade LGBTQIA+?

Ana Albuquerque: As companhias devem trazer as discussões à tona e incentivar um espaço seguro para que isso seja tratado, mas a responsabilidade é de todos nós. Estamos aprendendo e evoluindo em diversos aspectos, e isso requer muita desconstrução. Um amigo recentemente me lembrou um caso de alguns anos atrás, em que eu me posicionei conversando com ele sobre um certo tipo de brincadeira que ironizava uma foto de dois homens. O fato de esse amigo me agradecer por isto e lembrar do caso após tanto tempo me deixou muito feliz, porque pude iniciar um processo de mudança para ele.

Felipe Chanes: O principal ponto é não se limitar a discutir o tema somente em junho (mês do orgulho LGBTQIA+). Tornar esta bandeira algo inerente à cultura da companhia é vital para quebrar a inércia e realmente tornar seu ambiente inclusivo. Disponibilizar canais independentes de denúncia que avaliem situações de discriminação e ser coerente com o seu discurso também é parte importante do processo. Olhar para a diversidade como um todo nas camadas de liderança traz ao centro uma discussão natural sobre o tema, o que favorece o amadurecimento da cultura de diversidade na organização.

Glaucia Piccolo: Além do papel social de equidade e dos esforços de superação de obstáculos de processos do dia a dia em prol da diversidade, abraçar e promover a diversidade é condição “sine qua non” para que companhias continuem crescendo no mercado e conquistando clientes.

Se as empresas não entenderem que, para atender de maneira eficiente e efetiva seus clientes, precisam refletir em sua força de trabalho essa mesma diversidade, acabarão perdendo posições para os concorrentes que entendem a importância holística de terem um time diverso e que reflitam os mais diferentes pontos de vista e opiniões.

Promover a diversidade se tornará cada vez mais questão de sobrevivência para as empresas.

Como representante e apoiador da minoria LGBTQIA+ que ocupa posições de liderança em Finanças, o que você diria para outros profissionais deste grupo que desejam construir uma carreira bem-sucedida na área financeira e que precisam de uma referência como você?

Ana Albuquerque: Busquem apoio, fortaleçam suas redes de contato. Bons profissionais querem crescer juntos e se apoiam para isso. Às vezes, um assunto muito técnico em que você precisa de ajuda ou no qual pode ajudar naquele momento; em outros casos, apenas uma conversa com alguém que já viveu a mesma situação difícil que você está vivendo com um chefe ou um colega e pode te ajudar.

Felipe Chanes: Em primeiro lugar, acredite e confie em você mesmo. Seu potencial te levará longe e, se o ambiente não trouxer a segurança que você precisa, temos 2 caminhos a seguir: lutar ou procurar o lugar que te fará feliz. A luta nem sempre é fácil, mas deixa um legado positivo para outros que estão na mesma situação que você, além de você poder se surpreender com apoio e força que virão muitas vezes de pessoas que você nem espera. Procurar sua felicidade em outro lugar também exige coragem, pois nem sempre desbravar o novo é simples, porém pode ser um bom caminho para você mesmo encontrar suas forças e poderes neste processo, que tem desafios diários, e garanto que farão de você um excelente profissional e, acima de tudo, uma pessoa que está levando o mundo para um lugar melhor.

Glaucia Piccolo: Trabalhe honestamente em algo que de fato lhe faça feliz, estude bastante, não se limite por opiniões alheias ou dificuldades no caminho, tenha mentors e sponsors que lhe ajudem a escolher caminhos menos árduos e assuma as rédeas de sua carreira – não deixe que pessoas, processos, opiniões ou dificuldades decidam por você.