A Natura completa, em 2024, dez anos como B Corp, sustentando o título de empresa com as melhores práticas ESG, segundo o ranking Responsabilidade ESG de 2023 da Merco, empresa espanhola especializada em pesquisa de mercado e reputação corporativa.
Com isso, a Natura atingiu a nota máxima — 10.000 pontos —, mantendo o desempenho do ano anterior, e aumentou a diferença para outras empresas. Em 2022, o Itaú-Unibanco havia atingido 8.017 pontos, no segundo lugar. No ano seguinte, a segunda posição foi do Grupo Boticário, com 7.756 pontos.
A consolidação da Natura como empresa referência em ESG está relacionada à intersecção, há mais de uma década, dos negócios da empresa com as pautas de sustentabilidade social, ambiental e de governança corporativa. Em entrevista exclusiva, Silvia Vilas Boas, CFO da Natura, fala sobre sua atuação como ponto focal da estratégia ESG da empresa.
Além de chefe da área de Finanças, Silvia é responsável pela estratégia da Natura. Assim, ela, que chegou à empresa em 2021 já como CFO, tem a missão de integrar os indicadores econômicos, sociais e ambientais ao modelo de negócio. Hoje, a companhia utiliza metodologia própria para quantificar os impactos monetários das iniciativas voltadas para a pauta ESG, facilitando a alocação de recursos e ajustando os ponteiros para as ações voltadas à sustentabilidade.
Ranking Merco Responsabilidade ESG 2023
Posição | Empresa | Pontuação |
1ª | Natura | 10.000 |
2ª | Grupo Boticário | 7.756 |
3ª | Hospital Sírio-Libanês | 7.628 |
4ª | Magazine Luiza | 7.399 |
5ª | Itaú-Unibanco | 7.370 |
Fonte: Merco
Ranking Merco Responsabilidade ESG 2022
Posição | Empresa | Pontuação |
1ª | Natura | 10.000 |
2ª | Itaú-Unibanco | 8.017 |
3ª | Ambev | 7.980 |
4ª | Google Brasil | 7.871 |
5ª | Grupo Boticário | 7.793 |
Fonte: Merco
“Discutimos tanto o Ebitda e a geração de caixa quanto a renda das consultoras, a redução de emissões líquidas (de gases de efeito estufa — GEE), o uso de bioativos da Amazônia em nossos produtos, entre outros indicadores”, destaca a executiva, que também é cofundadora do W-CFO Brazil, grupo de lideranças femininas na área de Finanças que trabalha a promoção da diversidade no âmbito profissional.
Dessa maneira, a área de Finanças da Natura combina indicadores financeiros e de impacto para entender a eficácia da aplicação do dinheiro em cada uma das pautas ESG tocadas pela empresa e como isso está impulsionando os negócios da companhia. Afinal, não há sustentabilidade viável no longo prazo se o “G” (governança), que envolve a saúde financeira da empresa, entre outros aspectos, também não for contemplado.
Silvia destaca que é papel dela e do time de Finanças viabilizar que esses indicadores de performance financeira, operacional e sustentável sejam sempre priorizados na hora da elaboração de projetos e alocação de recursos. Essa inserção da pauta ESG na gênese das iniciativas dentro da empresa, segundo Silvia, garante que a sustentabilidade seja parte intrínseca de todas as atividades e estratégia da companhia.
Para a executiva, essas demandas têm exigido maior atuação do executivo de Finanças dentro das companhias e, consequentemente, aumentado as exigências feitas a esses profissionais. “O papel do CFO está se expandindo significativamente, indo além da tradicional gestão financeira para incluir a integração profunda da agenda ESG no cerne estratégico e operacional das empresas”, destaca.
Nesse novo cenário, um dos papéis mais importantes do CFO é “transformar a sustentabilidade em um pilar de crescimento”. Com a “chave do cofre” e o domínio dos dados, ele tem o poder de “garantir que questões de ESG sejam consideradas em todas as instâncias de tomada de decisão, desde a alocação de capital até a análise de riscos”, acrescenta Silvia.
Amadurecimento da pauta ESG
Como CFO e Head de Estratégia da empresa B Corp referência no país, Silvia está em posição de destaque para avaliar o desenvolvimento e a aplicação das estratégias ESG no mercado como um todo. De sua cadeira, ela enxerga que “a transformação dessas discussões em ações concretas e soluções efetivas ainda necessita de uma aceleração”, mesmo que reconheça a evolução de muitas empresas na estruturação de uma agenda sustentável que esteja integrada com o modelo de negócios, única maneira de a pauta ESG sobreviver no dia a dia dos negócios.
A dificuldade para imersão total das companhias na pauta ESG ainda não é total no Brasil por fatores internos e externos às corporações. O contexto econômico do Brasil também dificulta o desenvolvimento da agenda ESG, “com altos custos de capital e restrições de crédito”, avalia a executiva. Isso “impõe desafios adicionais”, complementa. Nesse sentido, ela exorta o setor financeiro a aumentar o engajamento em torno de iniciativas sustentáveis.
“Os custos associados às operações sustentáveis [no mercado financeiro] ainda são comparáveis aos de operações tradicionais, o que representa um desafio. Por exemplo, se a Natura não atende aos indicadores vinculados à operação, terá que pagar prêmios adicionais aos investidores, colocando o ônus financeiro diretamente sobre o emissor. Esse fator mostra que ainda há um caminho a percorrer para que os custos dessas operações estejam mais alinhados aos seus benefícios ambientais e sociais”, destaca a CFO.
Dicas para empresas em fase inicial da implantação de iniciativas ESG
Para as empresas que estão introduzindo iniciativas sustentáveis em seus negócios, Silvia recomenda que a fase inicial seja estabelecida por medidas internas e processos que já tenham dados disponíveis. Segundo a executiva, no case de iniciação, podem ser desenvolvidas ações como “melhorar a gestão de resíduos nas instalações, promover políticas de diversidade e inclusão e buscar eficiência energética”.
Além disso, a transformação do negócio em empresa sustentável depende do alinhamento das iniciativas com os seus “objetivos financeiros e estratégicos”. Contudo, as organizações também precisam se preocupar em tornar a pauta mais palpável e menos etérea para quem está no dia a dia da companhia. Nesse sentido, a implementação da agenda deve passar também por aspectos como a definição de estratégias de remuneração de curto e longo prazo para os colaboradores, uma das principais ações do “S” (social) da sigla ESG.
“Para avançar com a agenda ambiental, precisamos avançar na mesma intensidade com a agenda social. Essa integração de objetivos sociais com os ambientais é crucial — não se pode ter um sem o outro”, destaca Silvia.
Na Natura, uma das ações voltadas para o desenvolvimento da vertente social do ESG é o desenvolvimento de atividades econômicas que geram riqueza para manter em pé a floresta Amazônica — de onde a empresa retira grande parte de seus insumos. Ela destaca a importância de “desenvolver a bioeconomia para gerar renda para as 40 milhões de pessoas que vivem na região”.
Da porta para dentro, a renda dos colaboradores é um dos principais focos de atenção da companhia. “Seguimos protocolos de renda digna, superando o salário-mínimo, para garantir que todos os colaboradores recebam remuneração justa e não haja gap de salário em posições similares ocupadas por homens e mulheres”, garante a executiva.
A pauta de gênero, inclusive, é abordada de maneira transversal dentro da empresa, abrangendo diferentes áreas e posições. Segundo Silvia, a pauta de diversidade já estava consolidada quando a CFO chegou à empresa, em 2021, e esse foi um dos motivos de ter aceitado o desafio de liderar a área de Finanças da Natura. Hoje, 51% das posições de liderança na companhia são ocupadas por mulheres.
Quanto ao desenvolvimento da pauta de diversidade, a executiva avalia que o cenário corporativo tem avançado nesse sentido, incluindo a área de Finanças, que é, historicamente, dominada por homens. Contudo, “a progressão é mais lenta do que o necessário”, considera. “Uma pesquisa recente da Russell Reynolds destacou que cerca de 20% das posições de CFO preenchidas no primeiro trimestre deste ano no Brasil foram ocupadas por mulheres. Isso mostra um progresso significativo, mas ainda há muito espaço para aceleração”.
Apesar dos avanços na pauta ESG nos três segmentos, Silvia ainda vê um caminho longo para concretização da revolução ambiental, social e corporativa esperada para os próximos anos. “Há muito ainda por fazer”, diz ela. “Meu convite é para que todos os CFOs assumam a responsabilidade de impulsionar essas pautas”, arremata.
Leia a entrevista na íntegra:
Assetz: Qual é a sua participação no desenvolvimento da pauta ESG dentro da Natura?
Silvia Vilas Boas: Na Natura, não distinguimos uma agenda ESG da agenda de negócios. Nosso modelo empresarial é projetado para enfrentar os desafios socioambientais globais, incorporando os impactos em capital natural, humano e social como pilares essenciais das operações. Como CFO e responsável pela estratégia, meu papel envolve integrar indicadores de Triple Bottom Line (TBL) — econômicos, sociais e ambientais (também conhecidos como tripé da sustentabilidade) — na gestão de desempenho e nas decisões estratégicas.
Utilizamos o P&L Integrado, uma metodologia própria, para quantificar esses impactos em termos monetários, facilitando uma alocação de recursos que reflete nossos valores de regeneração. Discutimos tanto o Ebitda e a geração de caixa quanto a renda das consultoras, a redução de emissões líquidas (de gases de efeito estufa — GEE), o uso de bioativos da Amazônia em nossos produtos, entre outros indicadores. Combinamos indicadores financeiros e de impacto. Nesse sentido, meu papel e o do meu time é viabilizar que [esses indicadores] estejam inseridos nas conversas de performance e estratégia, além de serem considerados na priorização de projetos e alocação de recursos. Esse método garante que a sustentabilidade seja uma parte intrínseca de todas as nossas atividades e da estratégia, reforçando nosso compromisso com a regeneração.
Assetz: Como o CFO deve agir para articular a inclusão da pauta ESG no modelo de negócio da companhia?
Silvia: Definitivamente, o CFO tem um papel fundamental na incorporação da agenda ESG nos processos decisórios e estratégicos das empresas. Na posição de CFO, é essencial liderar não apenas em Finanças, mas também na integração dos princípios de sustentabilidade com as operações e estratégias corporativas. Esse envolvimento ativo ajuda a garantir que questões de ESG sejam consideradas em todas as instâncias de tomada de decisão, desde a alocação de capital até a análise de riscos, incluindo os socioambientais.
Além disso, os CFOs têm a responsabilidade de promover uma cultura de sustentabilidade que vá além da conformidade e se torne uma vantagem estratégica, influenciando positivamente os stakeholders e o mercado. O papel ativo do CFO é fundamental para transformar a sustentabilidade em um pilar de crescimento e resiliência empresarial, tratando a transição para práticas sustentáveis não apenas como uma responsabilidade, mas como um investimento estratégico no futuro da empresa.
Assetz: Hoje, em qual patamar está a discussão acerca da pauta ESG no mundo corporativo?
Silvia: Em comparação com anos atrás, percebe-se um aumento significativo das discussões sobre ESG no mercado. Muitas empresas estão se estruturando internamente para aprofundar a atuação em relação a essas pautas. Porém, a transformação dessas discussões em ações concretas e soluções efetivas ainda necessita de uma aceleração. Apesar de existirem casos de empresas notáveis, o contexto econômico do Brasil, com altos custos de capital e restrições de crédito, impõe desafios adicionais. As empresas precisam aumentar o engajamento e o setor financeiro também.
Assetz: Como você vê a influência dos CFOs, hoje, dentro das empresas no que diz respeito ao desenvolvimento dessas iniciativas sustentáveis?
Silvia: Observo um movimento crescente entre CFOs de empresas de todos os portes, que estão não apenas articulando, mas também influenciando significativamente a agenda ESG nas corporações onde atuam. Ainda assim, existem oportunidades para que o CFO assuma um papel ainda mais protagonista nessa agenda. O CFO, como guardião da alocação de recursos da empresa e uma presença constante em quase todos os fóruns decisórios, tem todos os instrumentos para ser um catalisador crucial na evolução dos negócios em direção a uma agenda mais regenerativa.
Assetz: Quando você ingressou na Natura, em 2021, a companhia já era reconhecida como Empresa B. Para os CFOs que precisam começar um projeto de sustentabilidade do zero, os desafios são adicionais. Na sua opinião, como devem agir os CFOs de empresas que estão dando os primeiros passos nesse sentido?
Silvia: Para CFOs que estão introduzindo a sustentabilidade nos negócios, é crucial transformar essa agenda de uma obrigação de conformidade para uma fonte de inovação e eficiência. A chave é integrar oportunidades socioambientais no modelo de negócio de maneira estratégica e mensurável.
Nesse sentido, é preciso iniciar com medidas internas. É essencial, também, escolher processos que já tenham dados disponíveis. Ações como melhorar a gestão de resíduos nas instalações, promover políticas de diversidade e inclusão e buscar eficiência energética são fundamentais. O impacto transformador mais significativo ocorre quando essas práticas de sustentabilidade são alinhadas diretamente com os objetivos financeiros e estratégicos da empresa, bem como com a estrutura de remuneração de curto e longo prazos dos colaboradores. O importante é começar.
Assetz: A partir dessas ponderações, você entende que a formação acadêmica e profissional do CFO o direciona para esse tipo de mudança dentro das empresas ou seria preciso rever alguns pontos básicos dessa formação?
Silvia: O papel do CFO está se expandindo significativamente, indo além da tradicional gestão financeira para incluir a integração profunda da agenda ESG no cerne estratégico e operacional das empresas. Hoje, os CFOs precisam não só gerir riscos complexos e alocar capital de forma estratégica, considerando tanto os retornos financeiros quanto os impactos socioambientais, mas também liderar inovações digitais e a gestão avançada de dados. Além disso, enfrentam o desafio de promover uma cultura corporativa baseada em ética e transparência, essenciais para a governança e resiliência organizacional.
Assetz: A pauta ambiental domina, por vezes, a discussão sobre sustentabilidade. Mas e o social, como você avalia a importância dessa dimensão no desenvolvimento da agenda ESG?
Silvia: Para avançar com a agenda ambiental, precisamos avançar na mesma intensidade com a agenda social. Essa integração de objetivos sociais com os ambientais é crucial — não se pode ter um sem o outro. É preciso que os dois caminhem juntos.
Falando da Amazônia, por exemplo, [é preciso] desenvolver a bioeconomia para gerar renda para as 40 milhões de pessoas que vivem na região. Essa ação é crucial para manter a floresta em pé.
Quanto à pauta de diversidade e inclusão, como mulher e atuando como CFO em uma empresa líder em ESG, observo que, embora tenha havido avanços em diversidade, a progressão é mais lenta do que o necessário. Por exemplo, uma pesquisa recente da Russell Reynolds destacou que cerca de 20% das posições de CFO preenchidas no primeiro trimestre deste ano no Brasil foram ocupadas por mulheres. Isso mostra um progresso significativo, mas ainda há muito espaço para aceleração. Na Natura, 51% das posições de liderança são ocupadas por mulheres, demonstrando um compromisso firme com a equidade de gênero.
Além disso, seguimos protocolos de renda digna, superando o salário-mínimo, para garantir que todos os colaboradores recebam remuneração justa e não haja gap de salário em posições similares ocupadas por homens e mulheres.
Nesse sentido, acredito muito nas políticas afirmativas para reduzir os gaps de grupos sub-representados. E não só em relação a mulheres, mas a pessoas com deficiência, pessoas pretas ou pardas, entre outros grupos. A maior oportunidade do CFO é começar fazendo dentro de casa. E, depois, você usa o seu modelo de negócio para impulsionar o restante da empresa.
Há muito ainda por fazer em ambas as agendas — social e ambiental. Meu convite é para que todos os CFOs assumam a responsabilidade de impulsionar essas pautas.
Assetz: Como você vê o interesse de investidores por títulos verdes e outras iniciativas voltadas para o financiamento das companhias baseado em práticas ESG?
Silvia: Nos últimos anos, observamos um crescimento significativo na demanda por instrumentos financeiros verdes. No caso da Natura, temos emitido títulos verdes com uma demanda muito alta. Esse é um indicativo positivo que revela que o interesse por investimentos alinhados com critérios ESG está em ascensão.
Contudo, apesar desse interesse crescente, os custos associados às operações sustentáveis [no mercado financeiro] ainda são comparáveis aos de operações tradicionais, o que representa um desafio. Por exemplo, se a Natura não atende aos indicadores vinculados à operação, terá que pagar prêmios adicionais aos investidores, colocando o ônus financeiro diretamente sobre o emissor. Esse fator mostra que ainda há um caminho a percorrer para que os custos dessas operações estejam mais alinhados aos seus benefícios ambientais e sociais.
Estamos em um momento crucial, em que é necessário dialogar com o mercado para encontrar maneiras de tornar o financiamento de práticas sustentáveis mais atraente para as empresas que estão genuinamente tentando fazer a diferença. Isso inclui buscar taxas e custos mais baixos para essas operações, de modo que a sustentabilidade não seja apenas uma escolha ética, mas também uma vantagem econômica evidente. Ainda não chegamos lá, mas o caminho está se formando à medida que mais investidores e reguladores reconhecem a importância de apoiar práticas sustentáveis.