Por Andson Braga, Professor da FEA/USP e Coordenador do Reverbera PMS-FEA-USP, e Daniel Mucci, Professor da FEA/USP
Mensurar o que importa? Repensando os KPIs e as metas de desempenho financeiro
Com o avanço do papel estratégico da área financeira, cresce também sua responsabilidade na gestão da estratégia empresarial. Mais do que uma função de suporte, Finanças assume uma posição de maior protagonismo, atuando como parceira das demais áreas e contribuindo de forma ativa para as tomadas de decisões do negócio.
A estruturação e o desenvolvimento de mecanismos de mensuração de desempenho financeiro são atribuições centrais da área de Finanças e contribuem para esse maior protagonismo estratégico. Fundamentais para alinhar e fortalecer o compromisso dos executivos com a entrega dos resultados desejados, esses mecanismos não apenas envolvem a formulação do orçamento e o acompanhamento de sua execução, incluindo análises e eventuais ajustes de rota, como também, em muitos casos, impactam diretamente programas de remuneração variável. Nesse contexto, o monitoramento e a avaliação do desempenho, tanto no nível corporativo quanto por áreas de responsabilidade, ganham ainda mais relevância, promovendo direção e accountability.
Neste artigo, destacamos três aspectos críticos para a estruturação de sistemas eficazes de mensuração de desempenho financeiro, com implicações diretas para a prática empresarial e a atuação dos profissionais de Finanças.
Definição das métricas financeiras
O primeiro aspecto diz respeito à definição das métricas financeiras (os Key Performance Indicators, ou KPIs) que serão utilizadas como principais indicadores de desempenho, tanto para monitorar a execução da estratégia quanto para operar como gatilho (trigger) para o pagamento de bônus. Essa escolha está longe de ser trivial, já que diferentes KPIs podem capturar um mesmo objetivo estratégico de maneiras distintas, influenciando comportamentos, decisões e resultados de formas variadas.
Para ilustrar: imagine que o objetivo da empresa é acelerar o crescimento. Diferentes indicadores podem ser adotados conforme a ênfase desejada. O percentual de crescimento da receita líquida, por exemplo, evidencia objetivamente a expansão dos volumes vendidos e/ou o aumento dos preços dos produtos e serviços. Já a margem EBITDA reflete o crescimento com foco no potencial de geração de caixa operacional da empresa. Ambos podem ser usados de forma complementar, mas sua escolha depende da ênfase que se deseja dar e do contexto específico da organização. Nas empresas em fase inicial de expansão ou que atuam em mercados altamente competitivos, o foco tende a recair sobre o crescimento da receita como um sinal de conquista de mercado. Por outro lado, em momentos de consolidação, reestruturação ou preparação para captação de recursos, a margem de lucro como EBITDA ganha protagonismo, sobretudo por demonstrar a capacidade de geração de caixa e a sustentabilidade financeira do crescimento da companhia.
O desafio, como apontado em um estudo clássico sobre o tema de autoria de Steven Kerr (1975), é que muitas vezes os KPIs adotados acabam incentivando comportamentos contrários aos desejados. Isso ocorre, por exemplo, quando se espera que os executivos priorizem iniciativas de longo prazo e a criação de valor sustentável, mas os KPIs utilizados para avaliar o desempenho estão atrelados exclusivamente a metas de vendas ou lucros de curto prazo. Um episódio que exemplifica esse desalinhamento foi observado no varejo eletrônico brasileiro nos anos 2010. Na tentativa de recuperar market share e acelerar receitas, as empresas atrelaram a remuneração variável dos gestores comerciais ao volume de vendas, o que levou à priorização de ações promocionais agressivas, concessões de crédito pouco criteriosas e contração de dívidas para bancar o capital de giro, ações que, por consequência, aumentaram a inadimplência e o consumo do caixa operacional com despesas financeiras e pagamento do principal. Esse risco se acentua quando a escolha dos KPIs é influenciada por preferências pessoais dos decisores ou pela adoção irrefletida de práticas do mercado, sem considerar as particularidades e o momento vivenciado pela organização.
A regra é clara: a definição dos KPIs deve estar alinhada com os objetivos estratégicos da empresa, considerando não apenas o que é fácil de medir ou o que está em voga no mercado, mas sobretudo o que de fato direciona os comportamentos esperados para a criação de valor no longo prazo. Uma boa prática é submeter as métricas a testes de alinhamento estratégico, avaliando se os incentivos criados estimulam os resultados que realmente importam para o futuro do negócio. Além disso, é recomendável adotar uma abordagem baseada em múltiplos indicadores, pois, mesmo que alguns apontem para direções aparentemente opostas (crescimento e satisfação), em conjunto, promovem equilíbrio e foco estratégico.
Mensuração dos KPIs
O segundo aspecto refere-se à mensuração dos KPIs, ou seja, aos números que compõem o cálculo dessas métricas. Não é incomum surgirem discussões no nível do Conselho — e também nas interações entre conselheiros e executivos — sobre a forma de apuração dos valores que integram o KPI. Essas discussões, de modo geral, envolvem a inclusão ou exclusão de efeitos financeiros não recorrentes ou não operacionais, como ganho de capital decorrente de venda de subsidiária ou efeitos contábeis provenientes de uma fusão. Tais efeitos podem ter impacto significativo sobre a métrica de desempenho em determinados períodos, seja por decisões estratégicas específicas, ou por fatores de mercado. Alguns desses impactos decorrem de eventos fora do controle da gestão (como choques macroeconômicos ou mudanças regulatórias), enquanto outros (como reestruturações e provisões), embora originados internamente, não reflitam o desempenho recorrente da operação.
Estes fatores de mercado são considerados incontroláveis quando estão fora da alçada direta dos gestores, o que leva muitas organizações a ajustarem ou contextualizarem os KPIs financeiros em seus processos de avaliação de desempenho — em especial quando os resultados impactam diretamente a remuneração variável de executivos.
Entre os exemplos mais relevantes de fatores incontroláveis estão:
Macroeconômicos: inflação, variações cambiais ou recessões que afetam receitas e custos;
Externos e globais: desastres naturais, crises sanitárias ou conflitos geopolíticos;
Regulatórios: mudanças em legislações fiscais, trabalhistas ou ambientais;
Mercadológicos: alterações inesperadas na demanda ou comportamento do consumidor;
Tecnológicos: ataques cibernéticos, surgimento de tecnologias disruptivas.
Diante disso, as organizações podem adotar diferentes mecanismos para lidar com os efeitos desses fatores na mensuração de desempenho, tais como:
Análise de variações (separando impactos dos fatores controláveis dos incontroláveis);
Metas com faixas de tolerância ou padrões ajustáveis diante de efeitos de eventos externos;
Avaliação relativa ao desempenho e, portanto, à utilização de informações de resultados de pares do setor; e
Avaliações qualitativas ou subjetivas complementares, voltadas ao julgamento de competências e habilidades dos executivos.
A regra é clara: diante da presença de fatores incontroláveis com potencial de distorcer a avaliação de desempenho, as empresas devem adotar abordagens e mecanismos que combinem rigor técnico com bom senso gerencial, promovendo um ambiente mais justo e que realmente estimule os comportamentos desejados no médio e longo prazos. Quando os sistemas de mensuração de desempenho ignoram os efeitos de eventos incontroláveis ou fora do limite de influência do executivo (crise cambial, tarifária, legislação) corre-se o risco desses profissionais serem premiados ou penalizados por elementos alheios à sua atuação.
Metas associadas aos KPIs
O terceiro aspecto diz respeito à definição das metas associadas aos KPIs. A definição de metas é um elemento central no ambiente empresarial por seu reconhecido efeito motivacional. Estudos mostram que o simples fato de existir uma meta tem impacto direto no desempenho dos indivíduos, sobretudo quando comparado a situações em que são apenas incentivados a “fazer o seu melhor”. Isso ocorre porque metas claras direcionam o esforço, aumentam a persistência e estimulam o uso de estratégias para alcançar resultados. Por outro lado, instruções vagas, como “faça o seu melhor”, não oferecem um padrão concreto de comparação, o que reduz seu poder de engajamento.
No entanto, a definição dessas metas exige cuidado. Um dos principais desafios está no nível de dificuldade percebido. Metas vistas como excessivamente difíceis ou inatingíveis podem gerar efeito contrário ao desejado, desestimulando os profissionais. Além disso, podem incentivar comportamentos disfuncionais, como o chamado “jogo orçamentário”, em que executivos, ao elaborar o orçamento do próximo ano, preveem cenários pessimistas para assegurar metas mais fáceis de atingir — e, uma vez alcançadas nos primeiros meses, reduzem o esforço para o restante do período. Outro exemplo de comportamento disfuncional é o gerenciamento de resultados por meio da gestão do capital de giro. Com o objetivo de melhorar indicadores de desempenho como liquidez, retorno sobre investimento (ROI) ou giro de estoques, observa-se adiamento de pagamentos a fornecedores ou antecipação de receitas por meio de vendas aceleradas, muitas vezes sob condições comerciais não sustentáveis. Embora essas ações possam melhorar temporariamente os KPIs financeiros, elas distorcem a real performance do negócio e comprometem a qualidade das decisões futuras, baseadas em dados artificiais ou inflados.
Buscando equilíbrio, algumas empresas têm adotado um trade-off entre o gatilho e a meta orçamentária: quando o nível mínimo de desempenho para acionar o gatilho é mais exigente, as metas do orçamento são suavizadas — e vice-versa.
A regra é clara: metas eficazes são aquelas percebidas como desafiadoras, mas alcançáveis. Ao definir metas financeiras, busque calibrar o nível de ambição com base na realidade do negócio, no histórico de desempenho e nas condições de mercado, equilibrando motivação com realismo e evitando incentivos a comportamentos contraproducentes.
A mensuração de desempenho financeiro é um instrumento poderoso, mas seu impacto depende da qualidade do seu desenho e da coerência entre métricas, metas e contexto. Afinal, não se trata apenas de mensurar e reportar os resultados dos KPIs, mas de articular capacidade crítica com visão estratégica do negócio, promovendo uma narrativa sólida que oriente decisões, inspire a confiança do time e mova a organização na direção certa.
Profissionais de Finanças devem assumir um papel protagonista nesse processo, atuando como arquitetos de sistemas que não apenas medem o passado, mas impulsionam o futuro da organização. A chave está em alinhar estratégia, comportamento e incentivos de forma integrada e adaptativa, com foco na criação de valor sustentável.
Referências:
Aguiar, A. B., & Mucci, D. M. (2023). Gestão de desempenho: análise, comunicação e implementação de estratégias para criação de valor.
Ferreira, A., & Otley, D. (2009). The design and use of performance management systems: An extended framework for analysis. Management accounting research, 20(4), 263-282.
Kerr, S. (1975). On the folly of rewarding A, while hoping for B. Academy of Management Journal, 18(4), 769-783.
Locke, E. A., & Latham, G. P. (2006). New directions in goal-setting theory. Current Directions in Psychological Science, 15(5), 265-268.
Oyadomari, J. C. T., Mendonça Neto, O. R., Lima, R. G. D. D., Nisiyama, E. K., Aguiar, A. B., & Pereira, D. D. S. (2023). Contabilidade gerencial: Ferramentas para melhoria de desempenho empresarial.