Na área de Finanças, é natural que alguns cargos, por mais que tenham a mesma nomenclatura, sejam radicalmente diferentes entre si no que tangem às suas atribuições. O papel de um CFO, por exemplo, pode ser completamente diferente de uma empresa para outra, apesar de, na essência, a função ser a mesma. Além das diferenças provenientes dos setores, dos desafios da organização e do porte da empresa, um dos aspectos mais relevantes que causam uma mudança significativa na agenda de um CFO está atrelado à origem da companhia, ou seja, se ela é nacional ou estrangeira. Este aspecto é tão determinante que, por consequência, o CFO também precisa utilizar diferentes habilidades técnicas e apresentar mais proeminentemente habilidades comportamentais variadas para que possa entregar os resultados esperados em cada uma delas.
Em uma empresa essencialmente brasileira, o CFO necessita ter um olhar não apenas voltado às Demonstrações Financeiras e ao desenvolvimento do negócio, mas também à interação constante com os stakeholders externos, como investidores locais, instituições financeiras, clientes corporativos e fornecedores. Em um ecossistema onde não há uma matriz no exterior para enviar recursos financeiros à subsidiária no Brasil, o Executivo de Finanças precisa estar a todo momento atento a oportunidades de financiamento e captação de recursos junto aos bancos do país. Desta forma, a disciplina de Tesouraria acaba ganhando muita relevância na função que ele desempenha e muito possivelmente o profissional de Finanças que almeja uma posição C-Level em empresa brasileira terá que, em um determinado momento da sua carreira, ser o responsável por essa área na sua caminhada até chegar ao cargo de CFO, estabelecendo um relacionamento duradouro e de confiança com o mercado financeiro e de capitais como um todo. Além disso, em empresas nacionais de capital aberto, a área de Relação com Investidores também acaba ganhando muito destaque, e o Executivo precisa desenvolver sua habilidade de interagir com os analistas e com os investidores com o intuito de informá-los qual é a situação do negócio da companhia e quais são as perspectivas de forma realista.
Outra disciplina que ganha muita força em empresas nacionais é a de Governança Corporativa, composta pelas áreas de Riscos, Controles Internos, Compliance e Auditoria Interna (esta última, por vezes, não responde diretamente ao CFO). Uma vez que o CFO de uma empresa brasileira está na matriz corporativa, é do seu escritório que devem sair as políticas globais de integridade e de controles internos que serão implementadas em toda a companhia com o intuito de mitigar os riscos operacionais, estratégicos e financeiros e, com isso, informar ao mercado que a instituição preza e valoriza um ambiente ético e íntegro, aumentando o grau de confiança por parte dos investidores institucionais. Ademais, também pelo fato de o escritório brasileiro ser o escritório corporativo, as atividades de consolidação contábil e gerencial (acompanhada das respectivas análises e preparação de relatórios), de definição das diretrizes orçamentárias e de prospecção e avaliação financeira de fusões e aquisições (e as respectivas integrações das empresas adquiridas) ocupam grande parte da agenda de um CFO de empresa nacional.
O CFO de uma empresa estrangeira, por sua vez, é um dos principais pontos de contato da subsidiária brasileira junto à matriz, informando de forma precisa como a companhia está posicionada no país. Em virtude disso, as atividades de controladoria, de planejamento financeiro e de reporting ganham muita importância no seu escopo, pois é preciso conhecer a fundo o que impactou o Balanço, o Resultado e o Fluxo de Caixa no período e o que impactará nos próximos meses e anos para poder relatar ao corporativo e alinhar as expectativas para evitar frustrações. Além disso, normalmente, grande parte dos mercados do Ocidente apresenta um maior grau de maturidade em termos de Compliance e cabe ao CFO do país garantir que as melhores práticas de governança e de controles internos adotadas na matriz sejam implementadas e executadas na subsidiária (por exemplo: controles internos SOx), visando a conformidade de regras e políticas globais e a mitigação dos riscos. O papel do CFO de empresa estrangeira que atua no país no que tange à disciplina de tesouraria geralmente é mais voltado à projeção e ao controle do fluxo de caixa e do capital de giro, garantindo que não faltarão e não sobrarão recursos financeiros e definindo a necessidade de remetê-los ou captá-los junto à matriz de acordo com as políticas globais. Por fim, cabe ao CFO de companhias internacionais zelar pelo cumprimento do orçamento aprovado e incansavelmente suportar as áreas de negócio com o intuito de aumentar as receitas, reduzir custos e maximizar a margem da operação local.
A maioria das habilidades comportamentais, por serem consequências diretas das habilidades técnicas necessárias para a função, também difere de um CFO de uma empresa nacional para um CFO de uma empresa estrangeira. O CFO de uma empresa nacional precisa ter grande autonomia nas tomadas de decisão, considerando que é esperado dele um maior grau de independência e de agilidade nas suas ações, já que não há a necessidade de passar por rito de aprovações de outras alçadas em outros países. A coragem gerencial e empreendedora – além da visão holística da empresa – também são mais exigidas, uma vez que decisões que dizem respeito a toda a companhia estão sob sua incumbência. Já o CFO de uma empresa estrangeira deve apresentar um perfil comportamental mais proeminentemente pautado na capacidade de influência, de negociação e de comunicação estruturada, haja vista que o convencimento, a persuasão e criação de alianças são mais exigidas na sua função e que é dele (junto ao CEO) a função de relatar à matriz a situação da subsidiária e estabelecer uma relação de confiança entre as partes. Em contrapartida, as habilidades de liderança são pré-requisitos necessários que variam pouco nos dois cenários: CFOs de empresas nacionais e estrangeiras precisam saber gerir conflitos, manter a escuta ativa, monitorar a performance de seus subordinados, ser capaz de engajar sua equipe e delegar de maneira efetiva.
Da mesma forma, os fatores que podem levar o CFO a não atingir às expectativas de sua posição não diferem muito de acordo com a nacionalidade da empresa: a dificuldade de adaptar-se à cultura da organização, o distanciamento em relação aos seus subordinados, a negação da necessidade do aprendizado contínuo e a falta de empatia (com clientes, pares, superiores e liderados) podem encurtar seu ciclo dentro da empresa em que atua. Vale mencionar que a cultura corporativa é altamente influenciada pelo seu país ou região de origem (América Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia) e cabe ao Executivo exercer o autoconhecimento e entender em qual delas seu perfil mais se adequa. Outros fatores, não menos importantes, também têm se mostrado constantes – tanto para o CFO que atua em uma empresa nacional, quanto para o CFO que atua numa empresa estrangeira: a dificuldade de construir uma equipe multidisciplinar e coesa (especialmente à distância), a dificuldade de atrair e reter os melhores talentos disponíveis no mercado e a ausência de metodologias oficiais de reconhecimento e de recompensa a profissionais que apresentam alto desempenho são desafios constantes na agenda do Executivo e cruciais para o seu sucesso na função.
Com isso, a fim de compreender em mais profundidade essas diferenças, convidamos três Executivos de Finanças com passagens por empresas de ambas as nacionalidades para compartilharem suas visões e perspectivas.
Hilton Andrade
CFO | Jogê
Leonardo Corrêa
CFO | Espaçolaser
Wagner Dantas
CFO & IRO | Vulcabras Azaleia
Pela sua experiência, quais são as principais diferenças de habilidades técnicas que um CFO precisa ter em uma empresa nacional e em uma empresa estrangeira?
Hilton Andrade: Diria que as principais diferenças se concentram no campo da execução, pois, em empresas nacionais, o CFO tem poucos recursos e por isso tem que ser mais hands on. Além disso, obrigatoriamente, ele tem que entrar mais no controle interno para que as coisas funcionem, balanceando com suas funções financeiras e estratégicas. E por fim, o CFO é um profissional muito mais generalista, que agrega, muitas das vezes, responsabilidade por outras áreas operacionais.
Leonardo Corrêa: Conforme vamos evoluindo em nossas carreiras e vamos assumindo cargos de liderança é importante desenvolvermos cada vez mais habilidades generalistas como gestão de pessoas, capacidade de se conectar bem com seus pares e finalmente influenciar de forma assertiva os caminhos da Companhia. Entretanto, a função financeira tem um componente técnico essencial, portanto, para obter sucesso como CFO em qualquer empresa, seja nacional ou multinacional, é importante ter um bom conhecimento de controles, aspectos fiscais do país, instrumentos financeiros, além de uma capacidade analítica e de planejamento bastante sólida. O ponto principal de diferenciação é que normalmente as grandes empresas multinacionais, pelo fato de serem companhias centenárias em muitos dos casos, possuem governança, controles, processos e sistemas muito bem estabelecidos. Desta forma, o CFO acaba dedicando muito mais tempo a atuar nas decisões estratégicas de negócio e planejar o futuro da companhia. A empresa nacional é um ambiente bastante diferente, principalmente se operarmos em empresas de alto crescimento, que foi o meu caso. Nessas empresas, o grande objetivo é garantir a expansão do negócio e a criação de valor. Por serem empresas de dono, a agilidade e os resultados são priorizados em relação à forma. O crescimento vai na frente, e posteriormente montamos as equipes, controles, processos e governança para proporcionar o crescimento esperado. Sendo assim, precisamos estar bem atualizados com os aspectos mais técnicos da função financeira. Podemos dizer que nas multinacionais aprendemos sobre os melhores controles e práticas e nas empresas nacionais temos a oportunidade de implementá-los.
Wagner Dantas: Sem dúvidas, planejamento tributário é a habilidade técnica em que a abordagem de um CFO é mais diferente quando comparamos a dinâmica de uma empresa nacional com a de uma empresa estrangeira. Acredito que pela complexidade e difícil entendimento do sistema tributário brasileiro, as empresas estrangeiras tendem a ter um planejamento e configuração tributária mais conservadora e por muitas vezes não aberta a explorar potenciais oportunidades. Por outro lado, as empresas nacionais, além de mais receptivas, enxergam no planejamento tributário um pilar estratégico para garantir competitividade e em alguns casos a sustentabilidade do negócio.
Quais são as habilidades comportamentais que mais diferem de uma para outra?
Hilton Andrade: Alta capacidade de adaptação, cultura de dono, pouco planejamento e busca do resultado, ditam as habilidades para trabalhar numa empresa nacional. Por outro lado, muita resiliência e objeção por resultados ditam as habilidades nas empresas estrangeiras.
Leonardo Corrêa: Quando me perguntam se prefiro trabalhar em uma empresa multinacional ou uma empresa local, respondo que ambas podem proporcionar desafios interessantes e valiosos ao desenvolvimento da carreira do executivo de finanças. Trata-se de experiências diferentes que exigem habilidades comportamentais distintas. Nas multinacionais as decisões acabam sendo mais estruturadas e tomadas em conjunto com diversos stakeholders. Aqui é importante ressaltar que a disponibilidade de dados normalmente é maior, uma vez que temos acesso à inúmeras pesquisas de mercado, relatórios financeiros, KPIs e todo tipo de análise para estarmos bem embasados com as decisões. Pelo tamanho das estruturas, acaba- -se criando um ambiente mais político, portanto é extremamente importante a capacidade de influenciar os pares, trabalhar em alinhamentos prévios e levar argumentos bastante técnicos para a tomada de decisões. É chave que você seja um excelente comunicador e articulador. Na empresa nacional de alto crescimento, você acaba exercitando muito mais o seu lado empreendedor. Normalmente, temos uma estrutura corporativa mais enxuta e mais focada em um objetivo comum. As decisões devem ser tomadas em um período muito mais curto e com muito mais autonomia. Muitas vezes, avançamos sem o envolvimento de todas as áreas e sem a posse de todos os dados necessários, de forma a privilegiar a captura oportunidade e a implementação mais ágil do projeto. Assumimos riscos maiores, mas com possibilidades de desenvolvimento de carreira e criação de valor exponenciais.
Wagner Dantas: Em função da diferença cultural e do idioma, em uma empresa estrangeira, manter uma comunicação clara objetiva é sempre um desafio a mais no dia a dia de um CFO.
Quais foram os principais desafios que você encontrou na transição de uma empresa nacional para uma empresa estrangeira (ou vice-versa)?
Hilton Andrade: No meu caso, fiz o caminho de empresa estrangeira para nacional. Os principais desafios foram: ter capacidade de me adaptar no dia a dia com poucos recursos, além de lidar com mudanças não planejadas.
Leonardo Corrêa: Depois de alguns anos trabalhando em gigantes de Bens Consumo, aceitei o desafio de trabalhar em uma empresa familiar do varejo farmacêutico que estava iniciando um processo de crescimento acelerado. A abertura de capital, no início de 2008 (data de minha entrada) iria trazer os recursos necessários para financiar o plano de crescimento da companhia. Após pouco mais de 3 meses de minha entrada, fomos impactados pela crise de crédito americana (iniciada em 2007) e, com a saída do CFO, tive que exercitar toda a minha capacidade de tomar decisões com pouca disponibilidade de dados (o fechamento contábil estava atrasado há alguns meses) para trabalhar no alongamento do perfil da dívida da empresa e na modelagem financeira que suportou o processo bem-sucedido de captação privada no mesmo ano. No final, experimentei um dos períodos maior crescimento de minha carreira, onde pude trabalhar em uma operação de captação privada, na reestruturação da dívida da companhia e na implementação do processo de planejamento financeiro que criaram as bases necessárias para um bem-sucedido processo de IPO da Companhia no final de 2010. Essa empresa tornou-se a mais bem sucedida varejista farmacêutica do Brasil.
Wagner Dantas: O Executivo de Finanças que, ao longo da sua carreira, tiver a sorte de passar por empresas nacionais e estrangeiras, de pequeno, médio e grande porte, com diferentes focos de gestão seja por caixa ou resultado, com certeza vivenciará em seus desafios situações das mais adversas. Esse cardápio de experiências fará com que este Executivo desenvolva uma resiliência única, tornando-se assim, um profissional muito preparado para enfrentar qualquer situação. Quanto a perda, frente aos benefícios dessa diversidade, não consigo pensar em uma.
Quais são os principais benefícios de se passar por empresas nacionais e estrangeiras para a carreira de um Executivo de Finanças? E quais são as perdas?
Hilton Andrade: Em empresas nacionais, o executivo torna-se mais completo em termos de gestão, pois ele passa a ter um olhar mais do todo e não somente das partes. As maiores perdas ocorrem no aspecto financeiro, mas dá para ter uma vida profissional e pessoal mais balanceada em empresas nacionais o que, de certa forma, compensa essas perdas. Já nas empresas estrangeiras, com mais recursos, o executivo trabalha mais focado em sua área de especialização e com um planejamento melhor, embora esteja sempre com tempo exíguo, o que dificulta o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Leonardo Corrêa: Vejo um grande valor em começar a carreira em uma grande empresa, pois temos a oportunidade de aprender como funciona um ambiente com excelência de processos, controles e sistemas. No meu caso, tive a felicidade de trabalhar na matriz americana ao longo de 18 meses, o que me agregou a vantagem de conhecer uma cultura de trabalho diferente. No entanto, o “teste de fogo” é nas empresas nacionais, onde podemos desenhar processos novos em um ambiente onde eles inexistem, portanto, a chance de criar algo realmente impactante é enorme. Entendo que as experiências são complementares e fico feliz de ter tido a chance de trabalhar em diferentes realidades. O acúmulo dessas experiências foram fundamentais para que eu pudesse assumir o desafio de liderar a equipe financeira da Espaçolaser, que se encontra em um processo de rápida de expansão nacional e internacionalização das operações.
Wagner Dantas: No processo de consolidação das informações, que em algumas empresas estrangeiras pode ser bem complexo, o cumprimento das entregas dentro dos prazos é tão importante quanto a entrega em si. Não que na empresa nacional, cronogramas não sejam importantes, mas em uma empresa estrangeira se você perder um deadline, você pode ser o responsável por travar a consolidação global.
De maneira geral, quais os principais conselhos de carreira que você daria para um profissional de Finanças que busca atingir um cargo Executivo em uma empresa estrangeira? E em uma empresa nacional?
Hilton Andrade: Em ambos os casos, o profissional precisa ter humildade, serenidade, ambição, capacidade de entrega e proatividade. Nas empresas estrangeiras, foco incansável em resultados, muito trabalho em equipe e desenvolvimento de habilidades fazem a diferença. Em empresas nacionais, o diferencial está no olho do dono, na resiliência, na visão do todo e, na busca por resultados.
Leonardo Corrêa: Não existe uma fórmula mágica, mas posso dizer que a proatividade é chave para o crescimento: não existem problemas das outras áreas ou de outras pessoas e sim problemas da empresa. O executivo que se prontifica a trazer soluções end-to-end para os temas são sempre reconhecidos e acabam experimentando um crescimento de carreira mais acelerado. Além disso, é importante buscar funções novas, onde você esteja levemente desconfortável, pois o desconforto gera aprendizado. Finalmente: “seja dono de sua carreira”. O tempo da empresa costuma ser diferente do tempo do executivo, mas nunca perca de vista os seus objetivos.
Wagner Dantas: Tenha resiliência, escute bastante e tente aprender ao máximo naquilo que as empresas nacionais e estrangeiras têm de diferente entre elas. Com certeza, você se tornará um profissional mais completo e versátil, com mais chances de sucesso independente da nacionalidade da organização.